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[Crítica] A Travessia


Robert Zemeckis nunca se contentou com pouco. Não que seus filmes fossem sempre narrativamente inventivos ou tivessem tramas complexas que exigissem a completa dedicação do espectador – de fato, alguns de seus longas mais adorados são extremamente objetivos. Está aí: Zemeckis jamais reduziu-se a palavras. Em suas obras, sempre é possível notar uma proposta visual fortíssima, vibrante, elétrica – um trabalho cuidadoso voltado para encantar seu público. Zemeckis pode não ser um dos maiores cineastas, mas, na maior parte de sua carreira, soube muito bem como maravilhar seu público e fazer todos saírem de uma sessão com um brilho muito específico nos olhos – seja de empolgação, seja de espanto.

Independentemente disso, é difícil não se admirar com um de seus filmes, ainda que, nos últimos anos, sua produção tenha se tornado menos relevante, com animações inofensivas e o mediano O Voo. É por isto que A Travessia é um bem-vindo retorno à forma para o cineasta, que precisava desesperadamente voltar a realizar um feito tão prazeroso e descompromissado – e de tanto sucesso. The Walk conta a história real do equilibrista Philippe Petit (Joseph Gordon-Levitt), famoso por atravessar as Torres Gêmeas usando apenas um cabo. Mesmo sem ter autorização legal para a arriscada aventura, ele reuniu um grupo de assistentes internacionais e contou com a ajuda de um mentor para bolar o plano, que sofreu diversos obstáculos até poder ser finalmente executado. A travessia ocorreu na ilegalidade em 7 de agosto de 1974 e ganhou destaque no mundo inteiro.

Carismático como as melhores realizações de Zemeckis, A Travessia é um filme sedento por agradar seus espectadores, mas que jamais ultrapassa a linha entre o prazeroso e o cínico. Cinema de entretenimento e com orgulho, The Walk é leve e simpático que conta com uma divertida dinâmica – de maneira convencional e hollywoodiana, é claro.

Com sua narrativa ágil e sua constante hiperatividade, o longa ganha nossa estima tão facilmente quanto seu protagonista – numa performance cativante de Gordon-Levitt, que, junto ao filme como um todo, previsivelmente marcará presença na próxima temporada de premiações, ainda que seu estranho sotaque seja um caso a se considerar. Existe uma espécie de júbilo que permeia toda a trama, um senso de grandeza e maravilhamento que embala a fotografia sempre vibrante, tanto no campo colorido quanto na Paris e Nova York frias, e a direção belíssima, cheia de planos-sequências e movimentos que, em outras mãos, pareceriam bregas, mas, sob o comando de Zemeckis, soam genuínos.

De fato, honestidade talvez seja a palavra certa para traduzir o tom de A Travessia. Seu suspense funciona quando necessário, assim como seu incessante humor; à exceção de raras cenas mais bobas e tiradas um tanto juvenis, quase tudo funciona muito perfeitamente equilibrado entre vários gêneros, desde o drama biográfico ao thriller e à comédia. E não para por aí: sua estrutura lembra muito a narrativa clássica de um filme de assalto, passando pelas várias etapas de planejamento, criação de parcerias, espionagem até, enfim, chegar à execução do plano em segredo.

Como disse no início deste texto, Zemeckis não se contenta com pouco. E, ainda que falte algum conflito maior ao longo do desenvolvimento ou qualquer coisa que impedisse o roteiro de cair em fórmulas previsíveis, pelo menos o argumento não decai aos clichês fáceis da estrela arrogante em ascensão ou do drama piegas e inspiracional. Se, em algum momento, The Walk tenta inspirar ou tocar seu espectador, o faz genuinamente, sem perder tempo com tons melodramáticos. A melhor ilustração disto é a esperadíssima cena da homônima travessia, que pode facilmente entrar para a coleção de sequências mais belas do ano.

Um filme visual e prazeroso, A Travessia é uma colorida homenagem à arte e ao artista. Com sua trilha sonora agradável, suas belas cores, sua direção segura e um carisma que transborda, é difícil não sair da sessão com um sorriso no rosto – talvez, um sorriso que remeta à infância, quando tão facilmente poderíamos nos encantar com feitos impossíveis e sonhadores. Não, este não será o melhor filme do ano, e poderá muito facilmente ser categorizado como inofensivo – mas o brilho em nossos olhos não conhece classificações. Afinal, é difícil pensar no futuro útil e cerebral de uma obra quando ela consegue te deixar tão pura e ingenuamente maravilhado.

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