[Crítica] Ave, César!
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É irônico perceber Ave, César!
como uma ode à Era de Ouro do cinema americano se lembrarmos que a carreira
dos Irmãos Coen foi construída de maneira independente, livre das amarras das majors
hollywoodianas. Pois o fato é que o filme representa mais um brilhante momento
de uma dupla que entregou, em seus mais de 30 anos de carreira, filmes como
Fargo, O Grande Lebowski, Onde os Fracos Não Têm Vez, Bravura Indômita e Inside Llewyn Davis:
Balada de um Homem Comum.
Tendo como pano de fundo a
Hollywood dos anos 1950, o filme gira em torno de Eddie Mannix (Josh Brolin),
sujeito responsável por disfarçar certos detalhes da vida privada dos astros e
estrelas com o intuito de proteger suas imagens públicas perante os tabloides.
Em mais um de seus dias de trabalho, Mannix é informado que Baird Whitlock
(George Clooney), o astro da maior produção do estúdio, foi sequestrado por um
misterioso grupo intitulado “O Futuro”. Enquanto tenta localizar Whitlock e
desviar a atenção dos jornalistas que rodeiam o estúdio (mais precisamente, uma
dupla interpretada por Tilda Swinton), Mannix precisa ainda proteger a imagem
de DeeAnna Moran (Scarlett Johansson), uma atriz divorciada que ficou grávida
devido a um caso extraconjugal com um cineasta (Christopher Lambert, quanto
tempo!), e gerenciar as tensões entre o diretor Laurence Laurentz (Ralph
Fiennes), dedicado à realização seu filme de época, e Hobie Doyle (Alden
Ehrenreich), um ator de faroestes cujas limitações dramáticas têm tirado
Laurentz do sério.
Não entendeu a trama lendo o
texto acima? Não tem problema. Ave, César! é uma produção com elementos típicos
dos filmes dos Coen: um crime pelo qual o enredo se desenrola (neste caso, o
sequestro de Whitlock); situações que desenvolvem sua comicidade através da
evolução de grau do absurdo que as envolvem, como por exemplo, a discussão
sobre a natureza divina de Cristo entre um teólogo, um padre, um sacerdote
ortodoxo e um rabino; e o desentendimento entre Laurentz e Hobie por causa da
pronúncia de uma linha de diálogo. Além disso, os roteiros dos Irmãos Coen
normalmente dedicam-se mais ao desenvolvimento de personagens do que de trama. Vemos
mais adiante que, por trás da fachada de durão, Mannix é um amoroso pai de
família, um marido devoto e um fervoroso católico daqueles que confessa seus
pecados ao padre diariamente. Os diálogos acabam se tornando peça fundamental
em seus filmes, falados com uma cadência e uma eloquência que também resultam
em efeito cômico.
Outro ponto positivo que faz os Irmãos Coen se destacarem dos demais cineastas norte-americanos é a habilidade
da dupla em aliar roteiro bem escrito a um estilo visual único e inventivo.
Remetendo visualmente a O Grande Lebowski e E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?, Ave,
César! conta com a fotografia do sempre genial Roger Deakins, colaborador de
longa data dos Coen. Investindo na maior parte do tempo em uma paleta de cores
quentes que dá vida à vibrante Hollywood dos anos 1950, os enquadramentos
procuram emular o estilo de filmagem dos clássicos rodados neste período,
criando sequências extraordinárias como, por exemplo, a filmagem do número musical
estrelado pelo personagem de Channing Tatum. Além disso, os Coen aproveitam a
oportunidade para homenagear os filmes noir utilizando as técnicas que mesclam
luzes e sombras para criar a atmosfera de mistério do filme.
Contando com colaboradores de
longa data (George Clooney, Josh Brolin, Tilda Swinton e Frances McDormand) ao
mesmo tempo em que abre espaço para “novatos” em seus filmes (Channing Tatum,
Scarlett Johansson, Alden Ehrenreich, Ralph Fiennes e Jonah Hill), os Irmãos
Coen sabem escolher bons atores para dar corpo a seus personagens. Josh Brolin
está evidentemente se divertindo com o cinismo de Eddie Mannix, levando o
espectador a crer piamente em sua competência; Alden Ehrenreich demonstra ser
um intérprete de talento no papel de um jovem ator sendo moldado pelo star
system, cujos modos denunciam suas humildes origens; Tilda Swinton rouba a cena
toda vez que aparece como duas irmãs que são rivais na cobertura de variedades.
Divertidíssimo e muito bem
produzido, Ave, César! prova que o talento dos Irmãos Coen continua vivo e
bastante afiado. Não é à toa que a dupla figura entre os melhores diretores norte-americanos da atualidade, totalmente consciente da força de seu material e de seu
estilo. Minha torcida é para que eles não fiquem por muito tempo sem presentear
os espectadores com mais um de seus maravilhosos filmes.