[Resenha] On The Road - Pé Na Estrada
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Desde a contracapa, somos bombardeados com a seguinte constatação: On The Road - Pé Na Estrada foi responsável por uma das maiores revoluções culturais do século XX. E, de fato, é possível notar, em cada palavra, a magnitude do que Jack Kerouac desencadeou. Não é à toa que sua principal obra foi apelidada de "a bíblia da geração beat".
Entretanto, é interessante como nem todos os mitos que revolvem On The Road possam ser considerados completamente verdadeiros. A edição lançada pela L&PM em 2004, como parte da Coleção L&PM Pocket, traz uma ótima introdução e posfácio do tradutor (e fã) Eduardo Bueno, dedicada justamente a desmistificar questões há muito reverenciadas sobre a obra, como, por exemplo, o fato de Kerouac tê-la escrito ao longo de apenas sete dias - uma meia verdade, já que passaria os próximos cinco anos revisando-o, o que, portanto, faria cair por terra a inauguração de um novo estilo narrativo, completamente espontâneo, que, segundo Bueno, pode ser melhor visto em Visões de Cody.
Uma vez desconstruído, o livro poderia até parecer uma obra comum; felizmente, não é. On The Road constrói uma contagiante atmosfera de loucura libertária e transgressiva, e uma fantástica análise de uma geração - não apenas de Sal Paradise e Dean Moriarty, dos beats propriamente ditos, como de toda uma sociedade marginal e invisível. On The Road prega liberdade e hedonismo; só é uma pena que o faça ao custo de muito machismo, homofobia e racismo, especialmente por tratar do movimento que seria o embrião de grande parte, senão todos, dos movimentos de contracultura e contra-hegemonia que surgiriam nos próximos 20 anos.
A narrativa de Jack Keroauc mantém sua aura de espontaneidade, mesmo dilapidada pelas várias revisões, que, ao menos para um leigo em literatura como eu, são imperceptíveis. A experiência de leitura remete à oralidade, de tão fluida, ao mesmo tempo que é riquíssima ao retratar som, imagem, cor e estimular os sentidos do leitor. O panorama das ruas e das paisagens norte-americanas criado por Keroauc é tão vívido que quase chega a ser real mesmo para aqueles que jamais viajaram por estas estradas, cidades e planícies. Similarmente, Keroauc cria personagens icônicos que, mesmo que (talvez intencionalmente) não muito desenvolvidos (à exceção do fantástico Dean Moriarty, cuja caracterização multidimensional e personalidade anárquica o tornam facilmente num favorito), conseguem encantar e surpreender o leitor.
Mesmo que sofra com passagens nem sempre interessantes e de certa forma dispensáveis, que por vezes tornam a leitura repetitiva e monótona, On The Road é um livro fantástico, divertido, e, acima de tudo, hipnótico. O estilo de vida de Sal e Dean, louco, rebelde e sem limites, não é nada menos que icônico, influente e por que não cativante? Ainda que longe de ser perfeito, On The Road é inegavelmente um clássico glorioso; não é surpresa que tenha sido escolhido como modelo por milhões de jovens desde sua publicação.