[Falando Sobre...] Penny Dreadful: A Primeira Temporada
Um convite ao verdadeiro horror gótico.
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Um convite ao
verdadeiro horror gótico.
As criaturas clássicas que povoam
as histórias de terror mais antigas são tão míticas e arraigadas no imaginário
popular, que incluir demônios, bruxas, vampiros, lobisomens e afins numa
narrativa do gênero dificilmente soa cliché. O horror permite liberdades
fantásticas que fascinam, impressionam e, goste você ou não, deixam sua marca
com facilidade justo por evocar nossos temores mais bobos que não por coincidência,
quase sempre estão ligados aos seres fantásticos que protagonizam estas
narrativas.
Na Inglaterra do
século 19, o horror como literatura se popularizou graças aos chamados penny dreadfuls, um tipo de publicação
barata – cada história custava um penny (um centavo antigo) – de contos
fantásticos que quase sempre giravam em torno de lendas urbanas locais e
criminosos famosos, só que com uma pitada de sobrenatural. Juntem então esses velhos
contos ingleses à mente de John Logan
(apenas o cara por detrás de 007:
Operação Skyfall, Rango e A Invenção de Hugo Cabret), a produção
de Sam Mendes (Beleza Americana), diretores como J. A. Bayona (O Orfanato
e O Impossível) e um elenco poderoso
(de Eva Green a Timothy Dalton), que o resultado não poderia ser diferente: uma
série adulta, provocante e assustadora que tira de um universo fantástico conhecido,
um sóbrio exemplar de horror da melhor qualidade. Esta é Penny Dreadful, meus caros.
No ano de 1891, o explorador britânico
Sir Malcolm Murray (Dalton) com a
ajuda da misteriosa Vanessa Ives (Green),
começa a recrutar um seleto grupo para empreender uma busca pela sua filha
desaparecida, Mina Harker (Olivia
Llewellyn). Dentre os escolhidos estão o pistoleiro Ethan Chandler (Josh Hartnett) e o jovem Victor
Frankenstein (Harry Treadaway), que
guardam em comum um distinto passado sombrio. Não demora muito para que Ethan e
Victor notem que a busca de Sir Malcolm envolve um ticket de passagem só de ida
para um mundo escondido nos becos de uma Londres vitoriana, mais assustadora do
que já aparenta ser.
O diferencial em Penny Dreadful é que o roteiro de John Logan não é expositivo, nem
subestima o expectador que, mesmo conhecendo muitos dos personagens da história,
tem de esperar o passado dos mesmos ser contado aos moldes da trama da série. É
assim que cliffhangers como a
impactante aparição da primeira criatura de Frankenstein (Rory Kinnear) no episódio Séance
tornam-se ainda mais viscerais do que já são. E por falar no monstro, é com
a sua storyline, por exemplo, que temos
o inspirado núcleo do teatro Grand Guignol. Lá as encenações dos penny dreadfuls sob o comando do ator Vincent
Brand (Alun Armstrong) surgem como um
charmoso exercício de metalinguagem que emociona de verdade (o conto do
lobisomem apresentado no episódio Demimonde
é o melhor exemplo do brilhante resultado).
“Que a vida não separe o que a morte pode
unir.” – Adonaies (Shelley)
Além de Frankenstein, nomes como Dorian
Gray (Reeve Carney) e Abraham Van
Helsing (David Warner) também
aparecem em Penny Dreadful. O
primeiro como uma reinterpretação curiosa do personagem criado pelo autor Oscar Wilde, já o segundo servindo como
uma importante fonte de explicações sobre as criaturas sedentas por sangue que
estão envolvidas no desaparecimento de Mina. Vale dizer que o personagem de
Dorian Gray também é utilizado por Logan
como uma metáfora sobre o despertar sexual de mais de um personagem dentro da
história, e os resultados dessas descobertas levam a trama para o seu lado mais
sombrio e assustador: a maldição que cerca Vanessa Ives.
Logo, não é surpresa para ninguém
que a personagem de Eva Green rouba a
cena ao construir uma mulher atormentada pela culpa e que se vê possuída por
uma antiga entidade egípcia, a partir do momento em que abre mão de sua
inocência por inveja da melhor amiga. Green
entrega uma das melhores atuações do ano na TV americana com sua Vanessa Ives, e
momentos como o macabro desfecho na sessão espírita ou mesmo o desesperador
despertar do demônio no episódio Possession
são fontes de pesadelos certeiras.
Com tantas histórias e
personagens, é de aplaudir de pé a capacidade que Penny Dreadful tem de manter o seu universo coeso e sempre
instigante. Até momentos como o trágico romance de Ethan com Brona (Billie Piper) e o desejo inexplicável de
Sir Malcolm em voltar para a África, acabam importando para o desenvolvimento do
arco desse primeiro ano. Da mesma forma, o planejamento que cerca todo o drama
de Vanessa é peça chave para o fim da busca por Mina e para os acanhados, porém
promissores, ganchos deixados pela season
finale.
Renovada e seguindo como forte
candidata às futuras premiações no próximo ano, Penny Dreadful é mais uma excelente surpresa entre as novas séries
de 2014. Uma inventiva e inspirada novela de horrores que faz jus ao legado
gótico de nomes como Mary Shelley e Edgar Allan Poe. Um presente bem-vindo
para os apreciadores do gênero e um chamado genuíno para os iniciantes.