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[Crítica] O Conto da Princesa Kaguya


Em nenhum momento, ao longo de suas três décadas como referência internacional para a animação, o Studio Ghibli precisou dar satisfações a ninguém. Entretanto, é certo que o melodrama capenga e a inconstância de Vidas ao Vento dividiram o público e causaram certo ceticismo, em especial por se tratar da swan song do grande Hayao Miyazaki. Bem, O Conto da Princesa Kaguya não é um filme de Miyazaki, e o Studio de maneira alguma precisa se redimir, mas, após a breve decepção de Kazi Tachinu, é possível que Ghibli e seu co-fundador, Isao Takahata, tenham realizado uma de suas maiores obras-primas – e um de seus mais belos filmes.

O Conto da Princesa Kaguya, baseado numa lenda do folclore japonês, conta a história de Kaguya, um minúsculo bebê encontrado dentro de um tronco de bambu brilhante. Passado o tempo, ela se transforma em uma bela jovem que passa a ser cobiçada por cinco nobres, dentre eles o próprio Imperador. Mas nenhum deles é o que ela realmente quer. A moça envia seus pretendentes em tarefas aparentemente impossíveis para tentar evitar o casamento com um estranho que não ama. Mas Kaguya terá que enfrentar seu destino e punição por suas escolhas.

Desde os créditos iniciais é possível notar a singeleza que permeia todo o padrão visual do filme. A animação, extremamente minimalista, remonta a pinturas em aquarela transpostas diretamente à tela, uma técnica de uma beleza estonteante e originalíssima; sua simplicidade encanta com tanto vigor que acaba por ser inesquecível e importantíssima numa era de transformações para o gênero. A atenção conferida às lindas cores – o laranja do crepúsculo a alastrar-se pelos planos, os rostos ruborizados, a fuga de Kaguya em tons cinzentos desolados, embalados por traços frenéticos e um silêncio claustrofóbico quebrado apenas pelo ecoar dos passos desesperados da princesa – completa aquela que é provavelmente uma das animações mais autorais dos últimos tempos. São tantas imagens belíssimas que é impossível escolher apenas uma para congelar numa fotografia; seria possível compor um álbum inteiro com os inúmeros quadros lindíssimos deste filme.

Mas, tratando-se de uma obra do Studio Ghibli, é claro que a beleza não se resume à técnica. A trama de Princesa Kaguya é de tamanha sensibilidade que mesmo a mais irrelevante das cenas inspira lágrimas e sorrisos com sua delicadeza absolutamente deslumbrante e encantadora. Os planos simples e abertos de Takahata são tomados por uma leveza melancólica e pela nostalgia, o saudosismo de uma infância livre e alegre contra a falta de liberdade aterradora da vida adulta – a maravilha do autodescobrimento, numa comunhão operática e mística com a natureza de um cenário bucólico, contra o engessamento da nobreza, de uma vida resignada. Tudo banhado num grandioso, honesto e maduro impacto emocional, tão agridoce que irá ressoar mesmo no mais duro dos corações. Ainda, Takahata encontra tempo para abordar a milenar cultura japonesa, investigando profundamente as tradições aristocráticas, desde suas hierarquias até seus costumes característicos, conferindo ao longa a qualidade de um interessante drama histórico.

Com sua atmosfera de fábula, utilizando-se espertamente de uma das melhores e mais belas trilhas sonoras do ano, ao fim, O Conto da Princesa Kaguya é uma fantasia visceralmente triste sobre uma jovem que jamais esteve no controle da própria vida, arcando com as consequências de um destino cruel e irrefreável. Lindo, doce e marcante, talvez, Princesa Kaguya não dialogue tanto com crianças, com sua sobriedade e sua ênfase pesada num tom dramático, mas, sem dúvidas, com sua graça e inocência, irá reverberar muito após o fim da sessão entre os adultos.

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