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[Crítica] Nebraska


Você pensa em como estará quando for um idoso? Na visão de nossa sociedade atual, a velhice, infelizmente, não é muito brindada, sendo majoritariamente vista como uma espécie de peso que devemos carregar por já termos aproveitado nossas vidas por muito tempo. A partir dali, deveríamos apenas esperar a chegada da morte, sem grandes objetivos a almejar e missões a cumprir. Tristemente, esta situação se aplica a muitas pessoas, como era o caso de Woody Grant.

Próximo da casa de seus 80 anos, o velhinho Grant (Bruce Dern, de Django Livre) estava numa fase monótona de sua vida. Nas discussões com sua esposa, prefere manter-se calado; na relação com seus filhos, a distância predomina; em sua vida, não há mais grandes objetivos. Em sua rotina tão comum, Woody acaba surpreendido ao receber um bilhete anunciando que ele foi sorteado para receber um milhão de dólares - uma carta falsa, obviamente, tratando-se apenas de um anúncio aproveitador -, mas teria que ir muitas milhas distante, até Lincoln, no Nebraska, para buscar seu prêmio. Sem muito a perder e sem ninguém com paciência para levá-lo, ele decide ir sozinho, caminhando, até o local. Numa tentativa inicial, acaba sendo encontrado pela polícia e levado de volta para casa, até que seu filho David (Will Forte, de Rock of Ages - O Filme), desiste de contrariar a vontade do patriarca e decide levá-lo até onde ele queira ir, apesar de saber que o bilhete é falso. A partir do início desta viagem, seus objetivos iniciais acabam sendo deixados em segundo plano para uma parada de extrema importância, na antiga cidade onde Woody morava. Aí, então, viveremos este conto. Sim, um verdadeiro conto, moderno, mas preenchido por nostalgia, pelo passado.

A famosa frase que diz que "o decorrer da viagem importar mais do que o seu destino final" é perfeitamente traduzida nesta obra de Alexander Payne (Os Descendentes). O diretor, habituado a construir jornadas melancólicas, de seres humanos estagnados e buscando qualquer tipo de mudança, surge extremamente confortável no projeto, sem jamais exagerar com uma mão muito pesada - o que atrapalhou seu trabalho em Sideways: Entre Umas e Outras - e também sem prejudicar os dramas de sua narrativa com um excesso de sequências cômicas - que o prejudicaram em Os Descendentes -, e emprega muito de pessoal na trama, repleta de elementos autorais e reflexões a respeito da vida. Caso seja necessária a relação com algum outro projeto de Payne, este atual estaria mais próximo de As Confissões de Schmidt. Ainda bem.

Ao levar a viagem para a cidade onde vive a família do protagonista, o roteiro do pouco experiente Bob Nelson poderia facilmente se ater aos valores conservadores, retratando um reencontro alegre e satisfatório, mas acertadamente, existe um realismo ao retratá-lo, onde a família presa à ambição ao ouvir os boatos de o velhinho estar milionário, ao invés do simples sentimento por revê-lo após tantos anos. Existem sentimentos, sim, presentes em toda esta reunião, entretanto, o espectador conhece as ambições dos familiares. Antes visto como algo próximo de um canalha na cidade, Woody passa a ser celebrado por todos.

O grande vencedor desta jornada acaba não sendo apenas o falso milionário, e sim seu filho David. Os propósitos da carona que ele decide dar para seu patriarca eram apenas motivar o velhinho, no entanto, o filho acaba vivendo uma experiência de grande crescimento ao, mais do que conhecer o passado de seu pai, conhecer o próprio Woody. Como podemos perceber nas reações surpresas do filho ao ouvir os relatos do pai sobre sua vida na juventude e seus desejos atuais, o herdeiro conhece muito pouco de seu patriarca. Após viver esta experiência, David termina a trama admirando muito o senhor Grant, por sua generosidade e inocência raras - ás vezes, até excessivas -, transmitidas através de poucas palavras. Existe, ainda, um certo conflito de gerações nos hábitos dos dois - o patriarca vivia em outra época, por isto confia tão mais nas pessoas.

A grande experiência narrada, então, reside especialmente no reconhecimento de Woody e David do seu próprio passado, numa mesma experiência vivida com certa nostalgia e saudosismo por aquele. Daí, surge o acerto de Alexander Payne em aplicar o preto e branco em sua obra, narrando uma espécie de revisitação ao passado, inclusive cinematográfica. A melancolia contida - transmitida também através da fotografia -, encaixa-se em equilíbrio perfeito com algumas sequências de maior comicidade - em especial, aquela onde os dois irmãos roubam o compressor de uma fazenda -, atribuindo um clima leve e extremamente agradável a Nebraska, como num bom road movie tradicional. Alguns pontos de previsibilidade - quando um velho amigo de Woody entra no banheiro, podemos prever qual será sua proposta - não incomodam em nada, num longa que já se consolidara como uma bela obra. A dupla formada por Bruce Dern e Will Forte encara com excelência o espírito desta fita, entregando trabalhos minimalistas, mas recheados de química e brilhantismo. O desfecho, na mesma medida, é singelo, simples, como o próprio espírito do protagonista, justamente por isto soando perfeito na narrativa da qual faz parte.

Woody Grant era um homem que, em sua idade avançada, não contava com mais qualquer motivação para viver. Escondida por trás desta viagem à Nebraska, Payne nos apresenta a busca por uma razão, um sentido de viver, um empurrão como todos nós precisamos de vez em quando, para levantarmos e agirmos, não importa qual seja nossa idade e condição. Graças a obras como esta, a Sétima Arte continua sendo uma destas possíveis motivações.

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