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[Crítica] Philomena


Alguns projetos são responsáveis por, acima de tudo, refletir a personalidade de seus protagonistas. Eles não são propriamente estudos de personagem, apenas assemelham-se integralmente a suas personagens principais, sendo que esta reflexão pode, por muitas vezes, até prejudicá-los.

A nova produção assinada por Stephen Frears (que vem do terrível O Dobro ou Nada) retrata uma intrigante história real, onde Philomena Lee (Judi Dench, de 007 - Operação Skyfall), quando jovem, teve seu filho tirado dela a força e levado para adoção por não poder continuar criando a criança no convento de onde fazia parte. Décadas depois, sua filha conhece um jornalista, Martin Sixmith (Steve Coogan, de Pelos Olhos de Maisie), em busca de uma história para reportar, então a moça decide contatá-lo e informá-lo sobre tudo pelo que sua mãe passou, para convencê-lo a retratar seu caso. O jornalista conhece Philomena, e esta acaba decidida a não somente contar sua história, como também fazer o máximo para encontrar seu filho perdido, onde quer que ele esteja, contando com sua ajuda.

A partir deste estabelecimento da premissa e do objetivo buscado, os dois partem numa busca da Inglaterra aos Estados Unidos, numa viagem de onde o roteiro pode retirar o melhor de sua narrativa, através desta convivência: o conflito entre duas personalidades extremas. Enquanto Philomena Lee é uma mulher extremamente religiosa, conservadora e simpática com todos a sua volta, Martin, no entanto, é um homem cético, criticamente inteligente e constantemente frio. (Ao menos, esta é a personalidade nos passada pela narrativa através de um estudo pouco profundo de seus dois protagonistas.) Colocar duas personagens tão extremas para conviverem na busca de um mesmo objetivo é uma proposta interessante, embora não tenha nada de muito inovador. Assim como há potencial numa trama de mistério e busca por elementos passados, e ainda mais para realizar críticas às medidas extremas da religião, que afetaram diretamente este caso.

Existe um grande problema com premissas cheias de tanto potencial, e é a perigosíssima chance de ele não ser cumprido, tornando a produção facilmente decepcionante. Philomena, infelizmente, desaponta. Um dos maiores erros do longa reside, provavelmente, em sua decisão de explorar mais a criação de um melodrama envolvendo a trajetória da protagonista, do que a própria relação entre ela e o jornalista que a auxilia. A atmosfera na qual a personagem vivida por Judi Dench está envolta é coordenada por excessos dramáticos, em especial na repetição expositiva dos diálogos cuja única serventia é relembrar o espectador do quanto aquela senhora sofreu.

As trocas de diálogos geradores de discussão e levantamento de críticas pelas diferenças entre Martin e Philomena, ainda assim, estão presentes, e rendem os melhores momentos da fita - certamente, deveriam ser melhor explorados. Enquanto o jornalista defende que a mulher posicione-se contrariamente à igreja - especialmente após realizar descobertas de que o convento lucrava com as adoções e não informou às mães, mesmo conhecendo o paradeiro de seus filhos -, ela decide não tomar grande partido, e esta discussão rende comentários a respeito do ateísmo, das decisões erradas da religião e de comportamentos sociais dos mais variados. Uma pena, então, que, assim como sua protagonista, Philomena - o filme - na maior parte do tempo, decida não tomar partido de qualquer coisa, somente lançando a troca de diálogos entre seus dois protagonistas que levanta a discussão, sem jamais aprofundar-se em seus argumentos e ideologia. Mesmo assim, Judi Dench e Steve Coogan conseguem aproveitar muito bem seus personagens - mesmo seguindo arquétipos -, atingindo o ponto das personalidades exigidas.

Ainda no quesito dos diálogos entre seus protagonistas, surgem certos elementos de bom humor, que funcionam como uma carta na manga da obra, e realizam um contraponto com a mão pesada adotada pela direção de Stephen Frears e pela trilha sonora de Alexandre Desplat, sempre dispostos a forçar um drama inexistente. E ele inexiste pela pressa com a qual certas situações se desenvolvem, não dando o tempo necessário para o espectador envolver-se com a situação vivida. Nesta mesma pressa, surgem algumas conveniências - Philomena decide ficar nos EUA logo quando a editora de Martin avisa-o que ele terá de se manter em solo americano. Há certos problemas morais, como o fato de o longa narrar o perdão dado por aquela mãe à igreja católica, que tantas más coisas causou a ela, como algo belo, positivo, enquanto deveria ao menos construir uma narrativa dotada de certa contestação - mas este é justamente o posicionamento típico de um fiel fanático, que consegue tapar os seus olhos para quaisquer sejam os pecados cometidos por sua instituição religiosa. Está certo, alguns destes elementos defeituosos devem estar ligados à necessidade de a adaptação ser fiel aos fatos, mas isto pouco me importa, desejo apenas uma obra cinematográfica eficiente, como Philomena chega a passar perto de ser, por alguns momentos, sem sucesso.

Além das críticas religiosas, há o almejo também de uma crítica à demanda capitalista e sua influência no desenvolvimento da reportagem, mas Philomena prefere não contestar grandes coisas, ficando em cima do muro. Por isto mesmo, foi uma produção capaz de encantar às premiações, já que é um filme que não ofende ninguém e pode até gerar certa simpatia - o que sempre agrada à Academia -, porém, jamais gerará discussão e sumirá rapidamente da memória de seus espectadores. Um filme meio termo.

Philomena, afinal de contas, é muito Philomena Lee, embora fosse muito mais interessante se fosse mais Martin Sixmith.

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