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[Crítica] Crô - O Filme


Crodoaldo Valério (Marcelo Serrado) foi um personagem de sucesso num folhetim televisivo da rede Globo, chamado Fina Estampa. Lá, ele aprontava das suas nas sub-tramas novelescas com espaço para bordões que faziam sucesso entre o público, alcançando o principal objetivo de uma novela e seus personagens. Mas o sucesso do mordomo foi grande a ponto de acreditarem no potencial que existia para a expansão de sua história, que seria transmitida através, desta vez, das telonas. O público certamente se sentiria atraído por continuar acompanhando Crodoaldo, e isto bastou para que Aguinaldo Silva, criador do personagem, escrevesse um roteiro a ser produzido pela Globo Filmes, dirigido por Bruno Barreto e lançado em circuito nacional na última sexta-feira. Mas não para garantir a boa qualidade da produção. Bem longe disto, aliás.

Para continuar a jornada do personagem-título, o longa remete ao desfecho da novela que revelou o personagem; naquela ocasião, na época, ainda mordomo havia ganho uma fortuna como único herdeiro da herança de sua ex-patroa, Teresa Cristina (Christiane Torloni, que não dá as caras por aqui), que Crô utilizou para comprar uma mansão em São Paulo, onde deixou de ser mordomo e passou a ter funcionários trabalhando para ele. Ainda que agora tenha todos os bens materiais que precisa, constantemente o afortunado sofre com pesadelos que trazem sua falecida mãe (Ivete Sangalo) de volta à vida para perturbá-lo, e graças a isto ele acaba descobrindo que não estará satisfeito enquanto não tiver novamente uma rainha para servir, e mesmo que não tenha necessidades financeiras pelo trabalho, não poderá deixar de ser mordomo, o que o motivará a realizar um concurso para escolher sua nova patroa. Entre as várias candidatas, está Vanusa (Carolina Ferraz), a cruel dona de uma fábrica de roupas que utiliza da mão-de-obra estrangeira escrava para sua produção, o que acaba sendo descoberto pelo protagonista e gerando sua ira.

Resgatando dentre os que já estavam presentes na novela, além do personagem-título, seus fiéis escudeiros Baltazar (Alexandre Nero) e Marilda (Kátia Moraes), acho admirável que Aguinaldo Silva, que também havia escrito a trama televisiva, esqueça-se de outros personagens com tão ou maior influência sobre a jornada de Crô para esta versão cinematográfica, ou mesmo que não pense sequer em expandir outros elementos de sua própria obra prévia, uma vez que o personagem principal não ganha qualquer tipo de aprofundamento em sua vida após os eventos da novela, preferindo narrar apenas um evento específico de sua vida - no caso, a trama da escolha da patroa e seus desencadeamentos -, ao invés de concentrar a narrativa num período mais abrangente da vida do mordomo, que certamente teria maior potencial para um enredo minimamente mais interessante. Uma pena, então, que o autor e roteirista claramente esteja apenas interessado na tentativa de desenvolver uma narrativa que explore ao máximo e de forma barata os ridículos do personagem já estabelecido para render mais algum dinheiro, e não em qualquer aprofundamento artístico maior a este mesmo personagem.

Uma pena que não ganhe o merecido, pois se há algo que se salve em Crô - O Filme é justamente aquele que dá nome ao filme, ou melhor, aquele que o interpreta. Por mais estereotipado e unidimensional que seja o personagem, fica bastante claro que Marcelo Serrado diverte-se ao movimentar-se exagerada e aceleradamente como este requer e pronunciar cada uma das ridículas frases e bordões soltos pelo recém-milionário; não somente ele, pois Alexandre Nero e seu Baltazar "Zoiudo" também enquadra-se na categoria dos que se divertem com um personagem fraco - repare como o roteiro enfatiza sem qualquer necessidade o fato do motorista estar o tempo todo nervoso e soltando comentários rabugentos, ainda que sem motivo -, mas Nero aparentemente se diverte com a irritação. Os contidos elogios não aplicam-se a Carolina Ferraz, por exemplo, que investe na vilã estereotipada sem qualquer esforço além de gritos e mais gritos, mas encontro ainda menos explicações para o fato de Milhem Cortaz, no papel de seu marido, investir num estereótipo de novela mexicana - com sotaque e algumas expressões, inclusive - para compor seu vilão; compreendo que seu nome, Riquelme, indique alguma relação latina com o personagem, mas não há necessidade de um overacting tão desconfortável. E se comprova a falta de interesse em aprofundar qualquer uma das personagens que criou, o roteirista Aguinaldo Silva ainda parece não adequar-se ao formato cinematográfico, investindo na tentativa de criar bordões - qualquer leigo sabe que só num produto televisivo há o tempo necessário para estabelecê-lo -, além de lançar sub-tramas que logo são esquecidas - como a garota de programa que rapta Baltazar, uma sequência que poderia ter sido descartada sem qualquer déficit para a narrativa.

O principal incômodo gerado por Crô - O Filme, no entanto, ainda não reside no roteiro e suas más decisões, mas sim no trabalho de Bruno Barreto e sua impressionante falta de foco com a abordagem que quer tomar. Se a abordagem cômica é falha, sua tentativa de criar uma atmosfera obscura em torno da trama criminal é inverossímil e desconfortável - especialmente quando esta aproxima-se de seu desfecho -, além da má escolha pela fotografia escura que atrapalha o clima cômico desejado e da insistência exagerada em planos abertos. De alguma forma, a condução do diretor consegue tornar arrastada uma narrativa com menos de 90 minutos.

Se tecnicamente também não há uma produção tão bem executada assim - repare nas falhas da inserção digital da cabeça adulta do protagonista num corpo infantil - e o trabalho de roteiro e direção contam com falhas admiráveis, a obra ainda prova-se moralmente reprovável, a partir de quando, após insistir num engajamento social - na questão do trabalho escravo, excessiva e expositivamente explicada através do diálogo de Vanusa que expõe o significado do trabalho escravo na atualidade, presumindo que seu espectador sequer saiba o que é isto -, acaba tornando Crô um verdadeiro super-herói salvador das trabalhadoras exploradas, justo ele, um homem que defende o sistema capitalista no qual toda dama burguesa deve ter um ser humano cujo único objetivo é ser seu subordinado. Para piorar, o longa ainda traz a infeliz prova de que o esterótipo exagerado da figura homossexual no Cinema ainda é aceita - e querida, como no caso - pela sociedade sem qualquer questionamento a seu respeito, recebendo ainda o investimento de empresas e do estado para ser realizada, quando já deveria há um bom tempo ter sido superada. Mas o pior de tudo isso é não ser capaz de gerar sequer sorrisos amarelos.

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