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Crítica | Um Namorado Para Minha Mulher


Quando Heath Ledger foi escalado para interpretar o Coringa em Batman - O Cavaleiro das Trevas, logo pensei: “Não acredito! Tanto ator talentoso no mundo e foram escalar logo ele!”. Apesar de ter sido indicado ao Oscar de Melhor Ator anteriormente, Ledger, no meu imaginário, ainda era o ator de Coração de Cavaleiro e 10 Coisas que Eu Odeio em Você. Quando vi sua atuação no papel do palhaço do crime, me surpreendi com tamanha entrega, superando em alguns aspectos o Coringa de Jack Nicholson. Moral da história: nunca julgue o livro pela capa. E é essa a recomendação que eu deixo para você caso hesite assistir Um Namorado Para Minha Mulher.

No filme, o casal Nena (Ingrid Guimarães) e Chico (Caco Ciocler) está passando por uma crise. Nena, uma jornalista, está aparentemente irritada e cansada com o mundo a sua volta, no qual as pessoas falam de signos e astrologia por falta do que falar e não param de compartilhar banalidades por WhatsApp 24 horas por dia. Chico, um proprietário de uma loja de antiguidades, tem preferência pela companhia dos amigos do que da própria esposa. Com isso, seguindo o conselho e a indicação de um de seus amigos, Chico contata Corvo (Domingos Montagner), um sujeito excêntrico que tem a estranha mania de encontrar seus clientes em ambientes inusitados.

Chico contrata Corvo para seduzir Nena e, assim, ter uma desculpa para se separar dela. Entretanto, Corvo diz que, para poder realizar seu serviço, é preciso que ela saia de casa constantemente. Sendo assim, Chico arruma um emprego para sua esposa com um produtor de conteúdo para Internet chamado Gastão (Paulo Vilhena). A partir daí, o cotidiano de Nena passa por uma transformação completa e ela se sente mais viva e completa como nunca se sentiu na vida, à medida que tem que lidar com as investidas de Corvo e a letargia de Chico.

O que começa parecendo mais uma tradicional comédia (e das mais machistas) acaba se revelando uma surpreendente história de emancipação feminina. E a força do roteiro de Lusa Silvestre e Julia Rezende reside nas transformações que Nena passa ao longo do filme. À primeira vista podemos até compartilhar da opinião que os amigos de Chico têm de Nena: chata, insuportável, enjoada e por aí vai. Porém, no instante em que Nena está de frente às câmeras conversando com Gastão sobre assuntos variados, começamos a entender quem é aquela mulher que estávamos julgando no início.

Nena é uma mulher presa a um casamento no qual estava limitada ao papel de esposa submissa que toma conta da casa, enquanto seu marido sai para trabalhar, jogar futebol e tomar chope com os amigos. A partir do momento em que Nena se liberta desse cotidiano sexista, passamos a conhecer a mulher interessante que ela sempre foi, mas que deixou encarcerada durante tantos anos dedicados a Chico. E a atuação de Ingrid Guimarães é um dos elementos que faz de Nena uma personagem fascinante, completamente diferente dos tipos anteriores que a atriz já interpretou.

Por sua vez, Chico é um homem inseguro e acovardado, que cede facilmente à manipulação dos amigos e que planeja separar-se de Nena mais por eles do que por vontade própria. Ele faz parte do grupo dos machos que querem mandar na casa e na relação, um homem à moda antiga (não à toa, ele é dono de um antiquário). E Caco Ciocler realiza um excelente trabalho ao representar a passividade de Chico, desde o olhar deslocado até a forma peculiar de caminhar e correr, apesar da falha do roteiro em não provocar nenhuma transformação no personagem. Dono de um charme rústico, Domingos Montagner realiza uma das tarefas mais difíceis do filme: ser autêntico e natural na pele de um personagem extremamente caricato. Destaque também para as atuações de Marcos Veras, Miá Mello e Letícia Colin, que fazem um bom trabalho de suporte aos protagonistas.

A direção de Julia Rezende é louvável ao buscar formas mais interessantes de contar a história visualmente, fugindo do comodismo que parece dominar os diretores de comédia, que tendem a optar por uma estética novelesca em filmes do gênero. Contudo, o roteiro confere um destaque exagerado a Chico, se considerarmos o fato de que o personagem pouco se transforma (para não dizer que não muda nada) no decorrer da projeção. Chega a ser incômodo acompanhar as desventuras de Chico quando é Nena que nos interessa. E ao final, o filme parece ter jogado fora toda a jornada pela qual a protagonista passou.

Apesar de algumas falhas de estrutura narrativa, Um Namorado Para Minha Mulher desenvolve seus personagens de maneira excepcional e foge dos padrões de boa parte das comédias nacionais. Pode ser que o fim da jornada de Nena frustre alguns expectadores, mas acompanhar sua caminhada é um deleite como pouco se vê em comédias nacionais.

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