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Game of Thrones | Hater sem muito orgulho


O coração aflito dos “bastardos” que não acham que a batalha fez história na TV.

HATER. O primeiro xingamento é esse. E não se enganem por acharem que talvez ele só venha na área de comentários de uma review ou de um post no Facebook. As pessoas hoje em dia são ousadas nas suas existências virtuais. Algumas vezes a agressão vem por inbox, muito bem endereçada e em negrito. Hater pode ser o mais suave dos impropérios, é bem verdade. Mas, de todos os verbetes maleficentes, hater é o mais indicado quando o assunto são as séries de TV, porque é uma palavra que traduz – de modo pejorativo – o que pensam sobre nós aqueles que pensam diferente de nós. É uma palavra inconveniente e nunca foi tão fácil jogá-la na roda.

Algumas séries de TV alcançam o público como se fossem um vírus e se espalham num ritmo alucinante, perpetuando impressões que se unem num único movimento apaixonado. Geralmente, ser contaminado com esse “vírus”, faz com que o “hospedeiro” se agrupe em irmandades igualmente afetadas, que passam seus dias homenageando o produto da unanimidade. Algumas séries/vírus são assim: você não tem o direito de não ser contaminado por ela. A família de infectados que se forma, festeja feliz o alastramento. Mas, à deriva desses “laços” inquebráveis, estão os que não foram concebidos nesse “ventre” unânime. São os renegados de uma suposta justiça, são os “bastardos” que merecem o calabouço por não disseminarem a grande “verdade” da humanidade: Game of Thrones, Breaking Bad, Mad Men, House of Cards e tantas outras, são as maiores transmissoras desse “mal da unanimidade”.

Acho que alguns podem pensar: espera aí, há pelo menos dois grandes erros nessa sentença. E eu já vou dizer quais são. O primeiro é que esse texto só está existindo porque nada nesse mundão de Deus é unânime de verdade, e o segundo é que talvez não haja mal algum em sê-lo. Eu prefiro sublinhar esse “talvez” e pintá-lo de negrito, porque não há nada mais nocivo do que a falta de diversidade. Porém, diante desse nosso universo virtual que fabrica validações de opinião a cada segundo, ir contra a correnteza pode ser solitário e incrivelmente incômodo. Para o fã de séries, as emoções diante de um episódio podem ser extremas e não é impossível que nosso julgamento seja turvado, tanto pro bem quanto pro mal. Tomar Game of Thrones como exemplo deixa essa dinâmica bem clara.


Os Três Dragões


Ser apaixonado por Game of Thrones é, antes de tudo, reconhecer a grandiosidade de sua história.  A maior referência em torno da saga é aquela outra escrita por Tolkien, que mesmo assim, só tinha três volumes e nenhum deles com mais de 500 páginas. Línguas, um mundo inteiro e uma história pregressa que leva o leitor/espectador até muito antes de onde se encontra o presente. Game of Thrones é ainda maior que O Senhor dos Anéis, porque a quantidade de detalhes e informações, contornam e preenchem aquele universo de modo muito mais complexo. Os detalhes são uma grande potência dessa obra.

A dramaturgia é, sem dúvida, a segunda potência. Sete reinos, cada um com sua mitologia, protagonismo, antagonismo e referência. E tudo caminha, gradativamente, para uma convergência. Uma história de traição, ambição e honra. Tudo costurado por uma inevitabilidade da natureza: a herança. O quão fascinante não é perceber que quanto mais o gelo se aproxima, mais cálidas se tornam as reviravoltas, fazendo com que uma iminente guerra se trave em meio ao branco da neve, inevitavelmente salpicada com as cores quentes da morte.

Para tornar tudo isso mais crível, a maior potência de todas, a técnica, reveste essa complexidade narrativa com a segurança de um gigante. Quando a TV teve tantos recursos? Quando poderíamos imaginar que a TV faria uma série com dez médias-metragens por temporada? É praticamente impossível não se encantar com uma história contada de maneira tão imagética, fazendo com que os detalhes do material literário (tão rico) se tornem traduzíveis ao que propõe a nossa imaginação. Game of Thrones é tão soberana no seu investimento prático, que é como se essa visão mercadológica se convertesse em magia, mesmo sem querer, e a paixão virasse o único resultado possível nessa alquimia. Enfim, é tão certo quanto comprovável.


A “Batalha” dos “Bastardos”


Então porque eu – e outros poucos como eu – foram proibidos de fazer parte dessa “família”? Ao ouvir que Game of Thrones, mesmo nos livros, oferece ao interlocutor uma experiência original e nova, eu só consigo pensar no quanto o termo “originalidade” sogre com o peso do próprio legado. A literatura fantástica não só se confirma de modo geral como tomada de detalhes, universos e mitos; como ela se reproduz através do tempo como um resultado de si mesma. Tolkien, Rowling, King... Autores que escreveram sagas em muitos volumes, com narrativas pregressas, organização ocular de capítulos e com uma língua própria. E não há absolutamente nenhum problema em ser mais da mesma coisa, porque ser a mesma coisa só é chato quando se tenta fingir que é uma “coisa nova”.

Por que me sinto tão mal por achar que a história não é tão surpreendente assim? Battle of the Bastards foi um episódio tão importante, mas que diabos, eu só consigo pensar em como são equivocadas as manchetes que anunciam “Game of Thrones faz história na TV”. Talvez tenha feito, do ponto de vista comercial (e vou falar disso logo abaixo). Mas, será mesmo que uma batalha com resultado tão óbvio, com uma coreografia recorrente e oriunda de toda a energia que o cinema já tinha resgatado com tantos épicos, pode ser chamada de “histórica”? O que existe de histórico numa dramaturgia sobre herdeiros de tronos usurpados que lutam para voltar ao próprio lugar? A narrativa do underdog (Jon, Dany e Tyrion) que caminha em direção ao poder é mais velha que andar pra frente, sendo esse mais um caso onde não há mal nenhum em ser igual, desde que não se proclame arrogantemente como diferente.

Mas, a história foi feita sim. Para os padrões da TV, foi muito dinheiro investido para tornar cada detalhe absolutamente “real”. Diante de toda a euforia em dizer que Game of Thrones tivera “feito história” (considerando que eu estou aqui fazendo esse texto, é bem provável que só esteja me negando à evidência), não pude deixar de pensar em Spartacus, a série do canal Starz, tão cheia de estética lúdica, mas tão tomada de impulsos verdadeiros. Com muito menos dinheiro, mas também sobre um underdog que se tornou líder de uma revolução, tomada de batalhas, estratégias e resultados inesperados... Spartacus esteve primeiro na linha de frente dos épicos da TV, mas ela não tinha a “grandiosidade” de algo saído do orçamento da HBO. As duas precisaram respeitar “originais”. Spartacus precisou respeitar a história, que vamos admitir, representa muito mais que sete volumes, Mas, obrigou-se a condensar sua narrativa para adequá-la à expectativa televisiva. Game of Thrones precisou respeitar a literatura, mas respeitou demais o ínterim, o interlúdio, a entressafra.


Hater Sem Muito Orgulho


Se no primeiro caso a paixão iça a verdade até o pódio do imponderável, no segundo caso, a visão crítica super aguçada impede a catarse que – sejamos justos – deixaria a experiência ser mais divertida. Então, o que é isso? Que força estranha é essa que me impede de me envolver? A qual encanto eu sou imune a ponto de recusar a unanimidade? Por que meus olhos se aguçam na direção oposta? Vocês acham que sou feliz por ver Game of Thrones com esses meus olhos ultrajados? Em algum lugar no meio do caminho os mesmos ventos que levam vocês não me levaram, e eu fiquei aqui, me debatendo, vivendo a maldição de “desmascarar” obviedades enquanto ao meu lado todos sonham felizes, tuitando reações lacrimosas e reverberando uma paixão que não alcança dentro de mim. Eu trocaria cada um dos meu argumentos esclarecidos por um dos seus apaixonados.

Infelizmente, eu e mais dois ou três que concordam comigo, somos os “bastardos” de uma batalha igual a de Game Of Thrones: com vencedor decidido. Precisamos engolir a nossa suposta “superioridade” analítica e reconhecer que o lado de lá é mais feliz. E resistir... Resistir muito a não revidar paixão com amargura. Porque, estranhamente, para cada “fez história na TV lido, um impulso de repulsão era sentido. E quem quer ser a voz da “loucura” que revida paixão com burocracia? Eu não quero... Eu não quero ser o “eu” daqueles que fazem comigo o que eu estou fazendo com vocês.

Mas, não... Ao menos me recusar a ser chamado de hater eu posso. Eu acho até que eu sou um baita lover. Só que, por alguma razão, eu não sei amar unanimidades. Eu sei amar, e ponto.
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