loggado
Carregando...

[Crítica] As Sufragistas


Uma campanha de marketing no mínimo esdrúxula. Pôsteres porcamente editados. Trailers apelativos. Elenco estelar. Com base apenas na imagem que criara para si mesmo, As Sufragistas parecia apenas mais um filme desesperado para gerar buzz suficiente para justificar indicações à temporada de premiações, vendendo-se como um melodrama barato convencional baseado em fatos reais, desta vez, seguindo os passos do péssimo O Jogo da Imitação e apoiando-se numa importante luta por direitos básicos. É por isso, talvez, somado à total falta de expectativas quanto a sua performance, que As Sufragistas surpreenda tanto, e, embora dificilmente possa ser considerado um dos melhores filmes desta temporada, tem potencial para se tornar um dos mais populares – devido, principalmente, à sua honestidade.

Em As Sufragistas, no início do século XX, após décadas de manifestações pacíficas, as mulheres ainda não possuem o direito de voto no Reino Unido. Um grupo militante decide coordenar atos de insubordinação, quebrando vidraças e explodindo caixas de correio, para chamar a atenção dos políticos locais à causa. Maud Watts (Carey Mulligan), sem formação política, descobre o movimento e passa a cooperar com as novas feministas. Ela enfrenta grande pressão da polícia e dos familiares para voltar ao lar e se sujeitar à opressão masculina, mas decide que o combate pela igualdade de direitos merece alguns sacrifícios.

Mesmo que seu roteiro por vezes pareça um discurso pronto, com frases de efeito hollywoodianas e situações que dificilmente ocorreriam na vida real, As Sufragistas encontra êxito por ser dolorosa e infelizmente necessária ainda hoje. Afinal, não é apenas pelo voto que lutam as mulheres, ficcionais ou não, presentes no filme. É pelo fim da barreira invisível que separa e classifica homens e mulheres, esmagando estas últimas em convenções sociais e papéis de submissão e exploração.

A história sempre lança uma nova luz sobre o passado, expondo nossos pecados para que todos vejam. Há mais de 150 anos, lutava-se contra o sexismo. Contra a desigualdade de gênero. Contra a opressão às mulheres. Há mais de 150 anos, mulheres entoavam: não sou sufragista. Repetiam com veemência, assim como Maud, na tentativa de livrar-se de um estigma que acompanhava as subversivas militantes. “Não sou sufragista”. As mulheres pobres eram desencorajadas, pois “eram massa de manobra” e “estavam sendo usadas” para “fins nefastos”. “Não sou sufragista”. Eram estupradas e silenciadas. “Não sou sufragista”. Ganhavam menos que os homens e ainda eram obrigadas e suportar o abuso de patrões dominadores. “Não sou sufragista”. Eram expulsas da casa que construíram sozinhas, estando sempre destinadas à tripla jornada de trabalho composta por emprego, maternidade e cuidados com o lar. “Não sou sufragista”. “Eu sou seu marido, e você não vai me envergonhar novamente”. “Não sou sufragista”.


“Não sou sufragista”. “Não sou feminista”. Há mais de 150 anos, mulheres eram coagidas a refutar e hostilizar o feminismo do mesmo jeito que o fazem hoje. Há mais de 150 anos, negavam-se a apoiar a causa, por vergonha ou desinformação – chegavam até mesmo a adotar uma posição de violenta oposição. Mesmo então – e talvez nessa época mais do que nunca – era preciso empoderá-las para livrá-las das amarras da opressão que elas mesmas engoliam e aceitavam como a única vida que conheciam. E, ainda assim, a vida da militância não era fácil, assim como ainda não é. Eram as militantes que botavam a cara a tapa, sendo condenadas às margens da sociedade. Eram as militantes que tinham que suportar as mentiras criadas por uma classe desesperada para desmoralizar o movimento. “Você seduz estas mulheres e as treina para destruir”, diz um personagem, homem, em determinado momento do filme; quando um movimento social ganha força, os privilegiados reagem, sentindo-se ameaçados – quando, na verdade, a única pauta do movimento é a igualdade.

É por tratar de temas tão importantes e ainda tão atuais que As Sufragistas parece determinado a ser um filme de impacto – ainda que pese a mão desnecessariamente em vários momentos, investindo numa intensidade e num shock value que beira ao maniqueísmo. Entretanto, se ao longa falta delicadeza, sobra sensibilidade. O filme funciona surpreendentemente bem devido à sobriedade que permeia a trama, tornando cenas e diálogos que poderiam decair a artificialidade em trechos genuinamente poderosos. Tais elogios devem voltar-se para a direção, comandada pela mão firme de Sarah Gavron (aprenda, Hollywood, e deixe as mulheres contarem suas histórias), que consegue conferir uma excruciante honestidade emocional mesmo às cenas mais manipulativas, com seus zooms particularmente bem utilizados e sua shaky cam que, ainda que funcional, às vezes parece exagerada em sua tremedeira e torna algumas cenas ininteligíveis – um provável erro da fotografia, que, mesmo com toda sua beleza, peca ainda pela plasticidade em recriar a frieza londrina na forma de tons de branco estourados.

Aliás, deve-se ainda elogiar Gavron pelo seu talento em criar uma tensão considerável, com a ajuda da trilha de Alexandre Desplat; apesar de valorizar positivamente o silêncio, As Sufragistas sabe utilizar sua bela trilha sonora de forma a extenuar a dramaticidade de suas cenas. Carey Mulligan também está especialmente bem em seu papel, podendo somar sua performance às melhores de sua carreira.

Forte e belamente filmado, As Sufragistas tem sucesso tanto quanto uma obra cinematográfica quanto política. Ainda que sofra com a mão pesada do roteiro e com o imperdoável apagamento de mulheres negras que participaram do movimento ao angariar um elenco completamente branco, o filme de Sarah Gavron tem o coração no lugar certo e entrega momentos realmente extraordinários.

Filmes 1660991299428013623

Postar um comentário Comentários Disqus

Página inicial item