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[Review] The Leftovers 2x04/05/06 - Orange Sticker/No Room at the Inn/Lens

“ Eu só estou feliz que estamos finalmente falando disto. ”


Eu só estou feliz que estamos finalmente falando disto.

The Leftovers é o pesadelo de qualquer pessoa ansiosa. Se, em plena metade de segunda temporada, a série ainda consegue entregar momentos espetacularmente tensos, ela não pode ser descrita com nenhum adjetivo além de aterrorizante. É isto que The Leftovers faz: mantendo-nos no escuro, aterroriza-nos e então nos dá esperança. O que fazemos com esta é por nossa própria conta e risco.


2x04 - Orange Sitcker



Orange Sticker abre com uma cena genuinamente desesperadora – mesmo que já saibamos seu desfecho há pelo menos dois episódios. É incrível o quanto esta série consegue nos afligir mesmo com pouquíssimas coisas objetivas de fato acontecendo. Um simples plano do céu através das árvores pode ser cheio de significado – ou até mesmo uma cena que, no quarto episódio da temporada, apenas remonta a um acontecimento que vem sendo explorado sob várias perspectivas desde a première. Por isso, The Leftovers é gigante, e não está interessada em ser apenas mais uma série em um rol de clichês e lugares comuns: com aquela sensibilidade única e uma honestidade crua que ainda consegue nos acertar certeiramente na boca de nosso estômago, The Leftovers assombra. E algumas de suas cenas não nos deixam jamais.

Em seu quarto capítulo, a segunda temporada segue se estabelecendo numa perfeição técnica não presente no ano anterior, que contou com alguns momentos de pobreza visual e diálogos fraquíssimos, ao mesmo tempo em que continua a sofisticar sua temática singular. A tensão entre Kevin e Nora ao repetir, mais uma vez, contrariados, que estão bem, é uma denúncia. Porque, vejam bem, eles estão começando a duvidar. “Não existem milagres em Miracle”, dizem. A excruciante realidade volta a atacá-los como um fantasma que nunca vai embora.


É neste momento também que percebemos o quão maravilhoso Justin Theroux é. Seus olhos arregalados e assustados por toda a temporada encontram um ápice emocional aqui, impressionando na medida em que, na primeira temporada, não nos era permitido um vislumbre de tanto potencial. Aliás, o segundo ano como um todo está muito mais exigente para seus intérpretes, arrancando performances intensas desde a belíssima abertura do primeiro episódio. E, enquanto Orange Sticker faz cair por terra minha teoria inicial quanto à estrutura desta temporada, traz também uma nova proposta de uma abordagem focada em cada um de seus vários núcleos – afinal, os episódios centrados em personagens específicos funcionaram muitíssimo bem na primeira temporada. Ao final, Orange Sticker é um capítulo menos intenso do que seus antecessores, mas ainda é desafiador e igualmente emocional, garantindo mais um passo na direção certa para a maravilhosa segunda temporada de The Leftovers.



2x05 - No Room at the Inn



Se Orange Sticker foi uma pausa para respirar após três episódios extremamente intensos, No Room at the Inn retorna com alguns dos momentos mais fortes da temporada – mas também representa a primeira derrapada do segundo ano, ainda que seu impacto negativo seja discutível diante de suas conquistas.

Um rip-off desnecessário de Two Boats and a Helicopter, No Room at the Inn mais uma vez acompanha Matt numa série de desventuras e acontecimentos trágicos que geram um sem número de reviravoltas em sua vida. Nisto, o episódio peca consideravelmente no desenvolvimento de seu roteiro, que, pela primeira vez, se repete ao ponto de ser previsível, tratando até mesmo dos mesmos questionamentos morais e da mesma temática subjetiva que o terceiro episódio da primeira temporada. Porém, também existem pontos positivos: intensificando o investimento num shock value fortíssimo que permeia toda a série, No Room at the Inn entrega algumas das imagens mais impactantes até então vistas em The Leftovers.


Da mesma forma, o quinto capítulo não conta com uma direção tão elevada quanto a dos episódios anteriores – apesar de ter planos arrepiantes, como o longo e arrasador plano-sequência do túnel ou a plongée que captura uma cruz acima de um Matt humilhado após ceder à tarefa suja de espancar um homem, como se Deus o julgasse. Além disso, a trama principal é desnecessariamente pausada para favorecer uma narrativa reciclada – ainda que o episódio ofereça um insight interessante no novo cenário e na mente daqueles que esperam por uma chance de entrar em Miracle. E, também, surgem consideráveis furos no roteiro, feitos apenas para permitir que a proposta continue a se desenvolver – mesmo que a dedicação de Matt seja genuinamente desesperadora e consiga emocionar apesar de todos os entraves, sobretudo na poderosa cena do acidente ao final.

Por isso, No Room at the Inn é um episódio bastante problemático – e, apesar disso, é moderadamente bom. Ainda que pudesse se beneficiar com uma outra abordagem, é forte e escatológico o suficiente para manter o lado emocional de sua trama sempre muito movimentado, e ainda entrega momentos de fato comoventes. Além disso, ao mexer com uma temática tão forte quanto estupro e abuso de incapaz, a série continua seguindo uma trilha politicamente correta muito interessante para esta temporada: enquanto, na temporada passada, encontrávamos um elenco quase completamente branco, agora, temos núcleos bastante diversos; as personagens femininas também ganharam mais destaque e mais tempo em cena, e existe um esforço menor em suavizar o impacto das imagens, o que é visível na maior abertura com que se aborda a nudez e o sexo e no físico de Justin Theroux, que já não disfarça mais as rugas e emagreceu consideravelmente desde a última temporada. The Leftovers, de fato, está muito mais segura e firme em sua execução, e, se isto é perceptível mesmo no ponto baixo da temporada, que dirá nos melhores momentos.



2x06 - Lens



É gratificante quando uma obra consegue capturar um sem número de nuances com extrema leveza e equilíbrio. Facilmente o melhor roteiro da temporada, Lens atinge o ápice da sutileza de The Leftovers. Um dos episódios mais calmos (os céticos chamariam de lento) e, ainda assim, um dos mais tensos do segundo ano, Lens trabalha com tantos atritos e conflitos não ditos de tantos lados que acaba sendo genuinamente impressionante na medida em que se equilibra por quase uma hora sem jamais admitir suas várias temáticas em voz alta, apoiando-se somente no seu poder da sugestão.

Lens retrata o drama de duas mulheres extremamente parecidas. Nora e Erika: os pilares de suas respectivas famílias "perfeitas". E, mesmo com tantas semelhanças, um rancor sem propósito desperta, porque, ainda que irracionalmente, uma representa ameaça à outra. Para ambas, a outra (tão vítima das circunstâncias quanto a própria) pode ser a prova de que seus maiores medos se tornaram realidade. Mas é claro que ninguém admitirá isso em voz alta. Em vez disso, ajudar-se-ão em eventos beneficentes; quinhentos dólares serão doados, haverá uma empatia mútua entre duas mães magoadas. Ninguém jamais enfrentará, de frente, que ambas são lembranças vivas e ambulantes de suas tragédias; que, detrás das barreiras do pensamento frio e lógico e da esperança, ainda há muita culpa. E novamente surgirá o “estou bem” escondendo um sorriso amarelo e forçado, um riso de alívio misturado às lágrimas do desespero incessante, como uma maldição.

Com Lens, The Leftovers se reafirma como um sofisticadíssimo estudo de personagens, entregando cenas absolutamente magistrais – em especial, como não poderia deixar de ser, o diálogo final entre Erika e Nora, que, com mais de dez minutos de duração, consegue agarrar o espectador pelo pescoço e sufocá-lo do início ao fim. Aliás, deve-se também elogiar o trabalho tipicamente superior de Carrie Coon, que transita entre a agressividade e a simpatia em questão de segundos, e Regina King, que, com dois showcases num único episódio, já merece um lugar entre as melhores performances da série. Ambas capturadas pela interessante direção de Craig Zobel, com closes e zooms em detalhes, mãos, toques e expressões, e pelo trabalho novamente excelente e atmosférico da sonoplastia. Ainda encontrando tempo para estabelecer firmemente os rumos da segunda metade da temporada, Lens confirma o segundo ano de The Leftovers como uma trama extremamente complexa, tanto narrativa quanto emocionalmente.

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