[Crítica] Permanência
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Santos interpreta Ivo, um fotógrafo pernambuco que viaja à São Paulo para fazer sua primeira exposição individual. Ele aceita o convite de sua ex-namorada Rita (Rita Carreli) para se hospedar na casa dela. Mas, hoje, Rita já está casada com outro homem, e Ivo também deixou um amor em sua cidade natal. A proximidade desperta sentimentos antigos.
E, de fato, são estes sentimentos permanentes que dão título ao filme e permeiam cada segundo dos fortes silêncios do primeiro longa de Leonardo Lacca, cujo trabalho na direção, cheio de simbolismos tímidos, é essencial para a composição atmosférica e funcionamento da misé-en-scène. A poesia de seus planos constantemente abertos, como para destacar a distância aflitiva entre os personagens, ou, no caso de apenas um habitar o plano, seu isolamento em relação ao outro, é de um lirismo surpreendente e emocional, facilmente encantando e inquietando o espectador. A aura introspectiva, a fotografia em tons neutros e pouco vívidos, a trilha sonora incidental pontualmente utilizada nos momentos mais reflexivos, os zooms que avançam contra os personagens como se pudessem adentrá-los, o extremo vazio a cercá-los mesmo nos closes, tudo milimetricamente planejado para tornar seus protagonistas em pessoas reais e palpáveis, tornando-nos voyeurs de situações tão íntimas quanto naturais.
Tamanha é esta naturalidade que a banalidade chega a pulsar, viva, entre as cenas. Os diálogos de Permanência são tão despojados, recitados de maneira tão ordinária e cotidiana que se torna claro desde o primeiro momento que o foco não está nas palavras, que nem mesmo são a forma mais efetiva de fazer poesia; sob elas, há tantos quereres reprimidos quanto amarguras pelo que não pode por elas ser expressado - a estranheza incessante, os silêncios opressores, o vácuo das boas maneiras e do engessado convívio social, as várias barreiras impostas à genuinidade que fervilham através de Permanência com uma sutileza assustadora.
De tão sublime, seu roteiro jamais entrega facilmente o jogo de cautelas e comedimentos de seus personagens, sempre exigindo a observação de seu público para que o mesmo possa verdadeiramente entendê-los: a doce e apaziguadora Rita, esforçando-se para se manter alinhada ao status quo; seu marido boçal, confrontado com uma situação no mínimo embaraçosa; Ivo e sua solidão irrepreensível, as ondas de desejo ressurgindo descontroladas e tormentosas; sua amante superficial, voltada apenas para o sexo, sem a psique que o faria se apaixonar; outros personagens diversos que aparecem muito brevemente, como uma senhora que prestigia a estreia de Ivo ou seu pai, ou até mesmo o pai de Rita, que é citado apenas uma vez, traçando pequenos comentários sobre a difícil e conflituosa natureza das relações amorosas.
E como falar do sucesso de Permanência em elaborar sua atmosfera de espontaneidade sem comentar as grandes performances do elenco? Sílvio Rastiffe e Laila Pas, em personagens secundários, oferecem uma boa apresentação da extensão de seus talentos, mas são Carreli e Santos que brilham em primeiro plano, confeccionando seus personagens com sensibilidade e leveza. É visível a química em suas interações, de uma amabilidade extrema que converge nas duas belíssimas cenas finais, em que, mesmo separados, a presença um com o outro se demonstra inabalável. Permanecem as dores, permanece o arrependimento, permanecem juntos, mesmo muito tempo após a tela tornar-se preta.
Leve, gentil e delicado, Permanência é um filme quieto e belo sobre o amor e suas expressões. Esbanjando uma banalidade harmônica de uma melancolia calma e poética, o longa de Lacca é uma linda e indispensável reflexão que jamais necessita de um conflito para angustiar seus espectadores - ou mesmo para emocionar.