[Resenha] Jogos Vorazes: A Esperança
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Amado e odiado na mesma proporção, A Esperança é sem dúvidas o livro mais polêmico da trilogia Jogos Vorazes. Menos intenso em termos de ação e mais voltado para drama humano e crítica política, a conclusão da saga pode não ter agradado a todos, mas é um exemplo de ousadia.
Depois de sobreviver duas vezes à crueldade de uma arena projetada para destruí-la, Katniss acreditava que não precisaria mais lutar. Mas as regras do jogo mudaram: com a chegada dos rebeldes do lendário Distrito 13, enfim é possível organizar uma resistência. Começou a revolução. A coragem de Katniss nos Jogos fez nascer a esperança em um país disposto a fazer de tudo para se livrar da opressão. E agora, contra a própria vontade, ela precisa assumir seu lugar como símbolo da causa rebelde. Ela precisa virar o Tordo. O sucesso da revolução dependerá de Katniss aceitar ou não essa responsabilidade. Será que vale a pena colocar sua família em risco novamente? Será que as vidas de Peeta e Gale serão os tributos exigidos nessa nova guerra?
A Esperança começa de onde Em Chamas nos deixou – mais especificamente, de sua infame última frase. Katniss deve lidar com as consequências de seus atos, que destruíram seu lar, e, ao mesmo tempo, servir de símbolo da resistência à Capital. Nisto, percebemos que a conclusão da saga de Suzanne Collins se dedica mais ao desenvolvimento psicológico de sua trama e personagens que à ação típica dos Jogos dos outros dois livros. Para alguns, A Esperança é um livro desnecessariamente lento e parado; para outros (incluindo eu), é extremamente empolgante devido à tensão e emoção mescladas em praticamente todos os acontecimentos. Katniss não mais é uma heroína – não que alguma vez ela o tenha sido; vamos nos lembrar que, desde a primeira página dos primeiros Jogos, a protagonista não pensava em nada mais do que ficar viva e proteger sua família. Desta vez, porém, destituída da ação e manipulada por seus superiores em grande parte da trama, a personagem se mostra mais vulnerável, arrependida e receosa. Suas atitudes podem passar por covardia e vitimismo – opinião de muitos dos fãs decepcionados com o final –, mas elas mostram que, de fato, Katniss é falha, como qualquer ser humano, o que torna sua caracterização ainda mais genial, fugindo do velho clichê maniqueísta de bons mocinhos e maus vilões.
Além do drama, pesadamente psicológico, os aspectos políticos da saga estão mais acentuados do que nunca. A manipulação midiática, recorrente nos livros, ganha novo tom aqui: a campanha de propagandas a favor ou contra a Capital toma a maior parte do livro, e é inclusive o que resultará no clímax da história. Além disso, o confronto entre Distrito 13 e Capital estabelece uma crítica ferrenha ao contexto político do século XX, em especial ao embate de dois diferentes modelos socioeconômicos, semelhante à Guerra Fria. Por fim, a conclusão da saga, que engloba os acontecimentos dos três capítulos finais, não somente é genial, chocante, aterradora e inesperada, como institui a crítica final e, sem dúvidas, a mais dolorosa: na guerra, a luta do poder pelo poder por parte de ambos os lados, não há vencedores. A guerra, por si só, não tem sentido, belamente exposto no fato de que a única coisa que Katniss desejava salvar, o motivo pelo qual ela entrou nos primeiros Jogos, se perde e desmorona todo o seu mundo.
Apesar de emocionalmente impactante e assombroso, o livro não é perfeito. Por ser o capítulo final, à Esperança acabam sendo atribuídas falhas gerais da série, como, por exemplo, a falta de desenvolvimento de personagens secundários, em especial Gale, que desde o primeiro livro tem muita importância para a protagonista, e, por isto, deveria ter ganhado mais destaque. Além disso, a narrativa de Suzanne Collins, mesmo amadurecida em relação aos dois volumes anteriores, continua a pecar pela falta de profundidade. Collins escreve bem e consegue arrancar de seus leitores as reações desejadas, mas, em todos os três livros, procura narrar de forma resumida, passando apenas pelos aspectos gerais de acontecimentos “menos importantes” para focar mais na criação de cenas, diálogos rápidos e momentos de ação. Num livro intensamente político e dramático, passar batido por detalhes não é algo que pode ser ignorado, de forma que esta falha em particular parece mais acentuada do que nunca, em especial no capítulo final, que, em poucas páginas, resume a conjuntura política do país, a reconciliação de vários personagens, a reconstrução de cidades, o estado psicológico dos sobreviventes e alguns dos anos que se seguiram à guerra.
Um livro denso e impactante, A Esperança não é apenas um final digno para a saga, como é o melhor final que Jogos Vorazes poderia ter. Não sinto falta da ação alucinante dos livros anteriores diante de uma boa trama e um desenvolvimento que, mesmo com pequenas falhas e alguns lapsos de lógica, consegue engajar e emocionar. A trilogia Jogos Vorazes sai de cena com força, deixando uma cicatriz forte naqueles que verdadeiramente se envolveram com sua trama, e, mesmo um tanto inocente em suas análises a modelos políticos, consegue criar um panorama assustador dos horrores da guerra.