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[Crítica] O Regresso


O Regresso abre com uma série de planos essenciais para entendermos a trajetória de Hugh Glass, personagem interpretado por Leonardo DiCaprio. Vemos imagens do protagonista com seu filho mestiço e sua esposa indígena ao mesmo tempo em que vemos imagens de violência e destruição envolvendo uma aldeia indígena. Fragmentos de uma história marcada por sofrimento e perda do início ao fim.

Após serem encurralados por um ataque indígena, um grupo de caçadores de pele liderado por Henry (Domhnall Gleeson) precisa sair do alcance dos nativos. Navegando em território hostil, Henry encarrega Glass (DiCaprio) de traçar uma nova rota longe de potenciais ameaças. Dotado de um profundo conhecimento do terreno e dos indígenas, Glass propõe que sigam a pé, decisão que tem Fitzgerald (Tom Hardy) como forte opositor. Durante o itinerário, Glass é brutalmente atacado por um urso, que quase o mata. Para cuidar de Glass enquanto os caçadores tentam chegar ao forte, Hawk (Forrest Goodluck), filho de Glass, conta com a ajuda de Fitzgerald e Bridger (Will Poulter). Com isso, Fitzgerald mata Hawk e enterra Glass vivo, deixando-o para morrer em território indígena. Acontece que Glass sobrevive e vai lutar para manter-se vivo e encontrar Fitzgerald.

Baseado parcialmente no livro de Michael Punke (como bem informam os créditos finais), o diretor Alejandro G. Iñárritu tomou uma série de liberdades criativas para moldar sua história. Com roteiro do próprio Iñárritu, ao lado de Mark L. Smith, o cineasta confere uma estrutura de filme de vingança. No entanto, O Regresso não é simplesmente um filme sobre um homem buscando se vingar de outro homem que destruiu sua vida. Mais do que isto, é sobre um homem que perdeu as pessoas que mais importavam para si (esposa e filho) e que quer elas de volta. O título do filme faz referência a este desejo de retrocesso que paradoxalmente conduz a narrativa para frente.

Outro personagem que também anseia reaver algo perdido é Elk Dog (Duane Howard), chefe de um grupo de indígenas pertencentes à nação Arikara. Determinado a encontrar Powaqa (Melaw Nakehk’o), sua filha raptada, o chefe ataca a expedição de Henry no início do filme e percorre território hostil para alcançar seu objetivo. Em uma cena reveladora na qual negocia cavalos e rifles com caçadores franceses, Elk Dog demonstra possuir tanta dignidade quanto um homem branco ao se impor perante seu interlocutor, lembrando-o de algumas verdades inconvenientes (quando inicia seu discurso dizendo: “Vocês tiraram tudo de nós. Tudo!”). Ameaçados de extinção, os indígenas de O Regresso são homens e mulheres dotados de honra que sobrevivem como podem para que não sejam completamente destruídos pelo emergente capitalismo. Ainda que não sejam os protagonistas do filme, Iñárritu merece créditos por não representá-los como caricaturas, mas como seres humanos dignos e complexos.

Por outro lado, os homens brancos de Iñárritu estão sempre sujos e asquerosos, como se fossem corpos estranhos que corrompem o paraíso intocado. Natureza que, diga-se de passagem, é maravilhosamente registrada pelas lentes de Emmanuel Lubezki. Aproveitando a experiência que adquiriu ao trabalhar com Terrence Malick, o diretor de fotografia oferece uma visão contemplativa das paisagens montanhosas, criando quadros carregados ora de imensa beleza, ora de impiedosa brutalidade. Além disso, Lubezki também absorve a influência tarkovskiana de Iñárritu para a concepção de planos que funcionam de maneira admirável como representações da subjetividade do protagonista. Outro aspecto de O Regresso que vale a pena ser destacado é o design de produção de Jack Fisk e Hamish Purdy, especialmente ao criar cadáveres de animais e fazer bom proveito das locações, resultando em imagens poéticas e repletas de significados.

Investindo em uma composição monossilábica, Leonardo DiCaprio tem poucas linhas de diálogo neste filme, sendo que boa parte delas é no idioma Pawnee falado por seu filho. Com isso, a maior parte do trabalho de DiCaprio concentra-se em expressão corporal e facial, das quais ele faz uso ao rastejar-se, comer um pedaço de carne crua, expressar raiva, medo, dor, angústia. É incrível observar como DiCaprio consegue comunicar tanto com tão pouco, seja com seu corpo, seja com a expressividade de seu rosto. Não à toa, o ator é um grande favorito para levar o Oscar de Melhor Ator este ano, com prováveis chances de vitória. Já Tom Hardy se sai muito bem ao interpretar Fitzgerald como um sujeito quase primitivo em sua maneira de agir e de falar. Adotando um sotaque texano e uma postura encurvada, Hardy transforma-se em um homem bruto e intratável, conferindo uma tridimensionalidade admirável a um papel que, se interpretado por um ator qualquer, seria apenas mais um vilão esquecível. Observando a cena em que Fitzgerald fala da relação de seu pai com Deus entendemos porque o personagem age da forma como age. Destaque também para os atores Will Poulter, Forrest Goodluck e Duane Howard, que aproveitam bem o pouco tempo de tela para defenderem Bridger, Hawk e Elk Dog, respectivamente.

Brutal e ao mesmo tempo onírico, O Regresso é o tipo de filme que pode nos empurrar para fora do cinema com um sentimento inquietante de frustração e desesperança. Como o personagem de DiCaprio revela em seu último plano no filme, no final das contas, sua jornada ao longo de todo o filme de nada valeu a pena, pois não trouxe de volta o que ele perdeu. É uma sensação pesada. Afinal, quem disse que o papel da Arte é apenas despertar emoções boas em seus espectadores?

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