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[Crítica] O Quarto de Jack


O Quarto de Jack se passa em dois ambientes: o interior do quarto do título e o exterior deste mesmo cômodo. Não obstante, o filme nos apresenta dois pontos de vista extremamente discrepantes a respeito destes dois ambientes. Um deles carregado de tensão, trauma e sofrimento. O outro repleto de inocência, imaginação e, até certo ponto, felicidade.

Dessa forma, o longa nos conta a história de Mãe (Brie Larson) e seu filho Jack (Jacob Tremblay). Confinados em um pequeno quarto cujos meios de contato com o mundo exterior são uma televisão e uma claraboia, Mãe e Jack vivem em função de uma misteriosa figura conhecida como Velho Nick (Sean Bridgers), que fornece suprimentos e utensílios para a sobrevivência dos dois. No aniversário de cinco anos de Jack, Mãe resolve revelar para o seu filho a verdade sobre o mundo entre quatro paredes no qual vivem. Ela conta que era uma adolescente quando o Velho Nick a raptou há sete anos e que o quarto é, na verdade, uma prisão. Mãe planeja fugir de seu aprisionamento, e, para que isso seja possível, ela precisa contar com a ajuda de Jack. Após serem bem sucedidos, os dois precisam se adaptar à realidade fora do quarto.

O que chama muito a atenção em O Quarto de Jack é a maneira sensível como a roteirista Emma Donoghue (cujo roteiro é baseado em um livro de sua autoria) e o diretor Lenny Abrahamson abordam questões pesadas e revoltantes, como o cárcere privado e o abuso sexual. Sem chamar muito a atenção para estes temas de forma dissertativa, o filme concentra-se no relacionamento entre os dois protagonistas durante e depois do cativeiro. E é muito bem-vinda a inserção de O Conde de Monte Cristo e Alice no País das Maravilhas como sendo as histórias que Mãe conta para Jack, pois estas obras refletem bastante a jornada de ambos durante o filme. Assim como Edmond Dantès, Mãe é uma pessoa que passou muito tempo aprisionada e que precisa reconstruir a sua vida depois de todos esses anos. Já Jack, após sair do lugar onde viveu durante toda sua vida, parte para conhecer um mundo novo, enorme, e "estranho", tal qual Alice depois de cair na toca do coelho.

Para dar o tom necessário a O Quarto de Jack, Abrahamson conta com o auxílio do design de produção de Ethan Tobman, da direção de arte de Michelle Lannon e da fotografia de Danny Cohen. O quarto onde se passa a primeira parte da história é um misto de local sombrio e sem nenhum conforto com uma certa beleza idealizada por uma mente infantil, portanto, a escolha da mobília, o brinquedo que Mãe monta para Jack brincar, os adornos na parede e a pouca iluminação dentro do local colaboram para construir o ambiente de opressão em que Mãe vive mesclado com o espaço lúdico e fantasioso em que Jack vive. Mesmo fora do quarto, o mundo exterior parece ser tão sombrio quanto o local onde estavam confinados. Logo, a fotografia trabalha bastante com o céu nublado e os interiores pouco iluminados, que exteriorizam a realidade pessimista vivida pelos personagens.

O Quarto de Jack é evidentemente um filme de atores e a força da narrativa depende sobretudo das performances de Brie Larson e Jacob Tremblay. Atriz de carreira jovem, Larson agarra com galhardia a responsabilidade como a protagonista Mãe. Basta observar o olhar ora cansado, ora desesperado da personagem para que possamos compreender seu sofrimento. Ela é uma mulher esgotada pelas circunstâncias de sua prisão, vivendo em angústia em decorrência dos anos de abusos sofridos e tendo que amadurecer cedo por causa de Jack. Uma vez fora do cativeiro, a aflição de Mãe continua pois ela não sabe como continuar sua vida após parte de sua juventude ter sido roubada. Uma cena que evidencia muito bem essa brutal perda de inocência é quando a protagonista observa uma fotografia ao lado de amigas do tempo em que era líder de torcida. Por sua performance tocante e sensível, Larson pode ganhar o Oscar de Melhor Atriz para o qual foi indicada.

Por outro lado, atuação é reação. Logo, o trabalho de Larson ficaria incompleto sem a poderosa performance de Jacob Tremblay. Com oito anos de idade na época em que O Quarto de Jack foi filmado, o jovem ator entrega um trabalho impecável, sem jamais ser ofuscado por sua protagonista, mas servindo como um complemento para ela. Para Jack, o quarto é um lugar lúdico e é tudo o que ele conhece em sua vida, sem jamais ter experimentado o mundo exterior. Diferente de Mãe, o menino não tem consciência da situação de aprisionamento em que vive. Observando a cena em que Jack, escondido na parte de trás da caminhonete, consegue se desenrolar do tapete, notamos uma expressão de espanto que o personagem sente ao perceber o quão grande é o céu, que conhecia somente através do recorte limitado pela claraboia. Fora do quarto, o garoto encara cada nova descoberta com certo receio e é incrível ver como Tremblay representa essa dimensão desconfiada de Jack através de escolhas como manter a cabeça baixa ou falar em voz baixa quando tentam conversar com ele.

Apresentando dois dos melhores e mais memoráveis trabalhos realizados por atores neste ano, O Quarto de Jack é um filme tocante e sensível que não precisa de uma produção grandiosa para demonstrar sua força. Apesar de relativamente breve, somos tragados por esta impiedosa jornada vivida por mãe e filho, cada um à sua maneira. É impossível ficar alheio à história de Mãe e de Jack e sair do cinema a mesma pessoa de quando entrou.

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