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[Fica a Dica] Filme: Mommy


Por Yuri Costa

Xavier Dolan sempre teve um gosto por uma estética exuberante. Se, em seus filmes anteriores, o diretor-roteirista-figurinista-ator havia saltado do pop art ao hipster, sempre tendo em foco emoções extenuantes que beiravam ao melodrama, em Mommy encontramos um Dolan mais maduro, mais focado e com menos tendência a exageros – o que torna seu quinto filme o seu melhor e mais impactante trabalho até então.

Equilibrado em influências que vão de Almodóvar a Pasolini, Dolan se perdeu no seu desabafo impregnado de raiva adolescente em Eu Matei Minha Mãe e rendeu um trabalho catártico, mas extremamente inconstante; fez um experimento estético com sua releitura hipster de Jules e Jim em Amores Imaginários; arriscou-se ambiciosamente em criar seu próprio Titanic nas quase três horas de Laurence Para Sempre (único de sua filmografia que ainda não vi); e investiu em cores cinzentas e numa estética clássica de suspense no thriller psicológico e homoerótico Tom na Fazenda. Eis que, com Mommy, o jovem cineasta (que, na época de lançamento do seu quinto filme, tinha apenas 25 anos) oferece uma espécie de mea culpa por Eu Matei Minha Mãe, numa ode ao amor e ao sacrifício materno que, ainda que melhor resolvida consigo mesma e menos hiperativa que seus esforços anteriores, soa intensa e é capaz de exaurir emocionalmente mesmo o mais duro dos espectadores.

Voltando a experimentar com a razão de aspecto – como já havia feito em Laurence Para Sempre e Tom na Fazenda –, em Mommy, Dolan adota o raro formato 1:1, ou seja, toda a ação que vemos ocorre num claustrofóbico e minúsculo quadrado. Muitas vezes, é impossível enquadrar mais de um personagem num único plano, sendo necessário recorrer a uma montagem que, em qualquer outro caso, pareceria excessiva. As cores vibrantes exploradas em sua filmografia dão lugar a uma iluminação suave, de tons quentes, capturados na fotografia sempre genial de André Turpin. É notável a maneira como Dolan procura fazer-nos sentimo-nos em casa, ao mesmo tempo em que nos desestabiliza com a unicidade visual que já se tornou esperada em suas obras.

Então, entram as peças musicais, que incluem desde músicas clássicas até hits pop dos anos 1990; os figurinos exuberantes de tão bregas, os cenários excessivos e amontoados. Surgem nossos personagens: Die, uma mãe viúva que precisa aprender a conviver novamente com seu filho problemático e hiperativo, Steve, depois que este é expulso do internato; mais tarde, os dois recebem a companhia de Kyla, uma misteriosa vizinha com problemas de fala. Durante todo o primeiro ato, a interação entre os protagonistas é calma e, nos momentos mais extenuantes, chega a ser meramente cômica em sua abordagem aos problemas da cultura white trash; eis que testemunhamos a carga dramática de Mommy no primeiro de seus vários auges: Steve é um jovem violento e instável, incontrolável quando estoura. Numa cena longa, frenética e ansiosa, acompanhamos a câmera enquanto Steve destrói a casa e agride a própria mãe, obrigando-a a se defender atacando-o de volta.

E é neste ritmo que Mommy se desenvolve: equilibrando uma sensibilidade única e reconfortante com uma intensidade orgástica e esmagadora, o longa é tanto recompensador quanto desolador. Ao alimentar nossas esperanças até o último segundo, Mommy aquece nossos corações até o momento em que as tragédias acontecem – e, felizmente, elas não ficam para o último segundo. Dolan criou um exercício masoquista para seus espectadores, que não podem se impedir de simpatizar profundamente com os personagens e sentirem suas respectivas dores, e suas ânsias por suas próprias liberdades pessoais.

Afinal, é sobre isso que Mommy procura discursar: com seu aspecto estreitíssimo numa era em que se busca cada vez mais expandir os limites das telas de cinema, Dolan leva o espectador a se sentir tão preso e encurralado quanto seus protagonistas, que lutam e fracassam inúmeras vezes em conquistar o mínimo de liberdade. Pois, como na letra da música de Lana Del Rey que acompanha o subir dos créditos, às vezes o amor não é suficiente. Nas mãos da câmera sempre agitada de Dolan, o trio protagonista brilha em performances que seriam invejáveis a muitos atores dentro da indústria hollywoodiana – Anne Dorval e Suzanne Clément entregam trabalhos fortíssimos, capazes de reduzir qualquer um às lágrimas, enquanto o então novato Antoine Olivier Pilon conquistava o público com sua espontaneidade e desde já impressionava com seu talento.

Um misto de um soco no estômago e uma canção de ninar, Mommy é um filme simultaneamente suave e devastador. Agridoce do início ao fim, o longa testa constantemente os nervos de seu espectador, que não terminará de outra forma senão apaixonado. Xavier Dolan, no auge de sua maturidade, criou uma daquelas obras que aquece nosso coração e nos faz um bem imenso – ainda que toda sua felicidade esteja sempre restrita, capturada nas limitações que a vida cruel impõe aos nossos já amados personagens. Belíssimo e intenso, Mommy não nos deixa com facilidade – e carregamos cada marca deste filme conosco, apenas esperando o momento de ser revisitado.
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