[Fora de Cena] Atração Perigosa

Popularidade e assassinatos casuais.

Se na década de 1980 John Hughes tornou-se o mago dos coming of age, foi apenas com o diretor Michael Lehmann e o roteirista Daniel Waters que os cinemas ganharam um mordaz e inspirado retrato da juventude norte-americana. O anseio por status, moda e fama comandavam as high schools e aqueles sonhos do american way of life já haviam sido deixados de lado. É bem certo que Atração Perigosa (Heathers) alopra um bocado ao estilizar os estereótipos do gênero, porém isso não é demérito quando a imagem de uma jovem Winona Ryder se despede definitivamente da inocência sob a fumaça de um cigarro e coberta pelas cinzas de um colega.

No longa, o círculo dominante na Westerburg High School consiste em três jovens de nome Heather (Kim Walker, Shannen Doherty e Lisanne Falk) que ditam as regras e tocam o terror nos menos populares do local. Quando Veronica Sawyer (Ryder, apaixonante como sempre), ao conhecer o selvagem J.D. (Christian Slater), decide mexer com a clássica hierarquia das garotas, um rastro de corpos começa a mudar mais do que as castas pré-estabelecidas da escola.

Eu me lembro de assistir Atração Perigosa nas tardes do saudoso Cinema em Casa e me empolgar com as tramoias absurdas e doentias de Veronica e J.D., mas na verdade o que ainda naquela época me chamava atenção eram as cores e o tom que a dupla Lehmann e Waters usaram para contar a história. Era como se o próprio John Hughes e Brian De Palma lançassem uma parceria inusitada.

Falar mais sobre a trama do filme pode vir a estragar a experiência que vem no momento em que percebemos qual o real caminho que o roteiro seguirá para discutir popularidade e bullying (naquele tempo o termo não existia, claro). Torna-se impossível também não se pegar pensando no quanto Meninas Malvadas se inspirou para tornar a eterna Regina George de Rachel McAdams numa descendente direta das Heathers de Atração Perigosa.

A ferocidade e o humor negro que permeia toda a produção talvez afaste quem procure o feijão com arroz de sempre das comédias adolescentes, mas essa pérola vai muito além disso. É como um crème brûlée sofisticado e genuinamente maldoso, que vai ficar martelando no seu estômago muito tempo depois do último take.