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[Falando Sobre...] Orange is the New Black - A Terceira Temporada

Sem espaço para invisibilidade.


Sem espaço para invisibilidade.

ATENÇÃO: Contém SPOILERS!

Se no segundo ano de Orange is The New Black, a showrunner Jenji Kohan já havia impresso mudanças corajosas na narrativa da série - a gente foi dando adeus "calmamente" ao protagonismo de Piper -, a terceira temporada definitivamente remonta o status quo do show, ao colocar o presídio de Licthfield como um organismo vivo e redentor para todas as presidiárias ali residentes. Piper Chapman vira mais uma inmate no sistema penitenciário, e se enxerga com seu costumeiro egoísmo como produto do meio onde agora vive. Mas não é a escalada da jovem de classe média alta ao mundo do contrabando de cheiros femininos que importa aqui. Kohan e seus roteiristas têm muitas outras mulheres esperando para que suas histórias sejam contadas. E "pensar em todas aquelas estradas", como a música de abertura diz, é a máxima da nova temporada.

Quando um dia das mães começa em Licthfield, não é meramente ao acaso que as presidiárias demonstram uma apreensão crescente. Com o tema da maternidade abrindo a primeira hora do ano três, temos espaço para dois dos pontapés iniciais que se estenderão como duas tramas dramáticas fortíssimas: a relação de Daya e Aleida e a de Sophia com o filho. E é já também neste episódio que Pennsatucky e Boo se aproximam. O momento vem com um dos diálogos mais ácidos e bem escritos de toda a série. Falar de aborto e fé não é fácil, mas Orange is The New Black nunca se mostrou vaga e unilateral quando assume posições diante de questões polêmicas. 

O teor político visto na possibilidade de privatizarem a prisão por conta da situação precária em que ela se encontra - a infestação de chatos no segundo episódio, torna-se sombriamente divertida -, também dá pistas que, na figura de Caputo, algo nunca discutido na série vai tomar vez: até onde vai o investimento do governo norte-americano ali? Sim, a falência do sistema penitenciário público não é problema só dos brasileiros, e terceirizar também é uma realidade nos Estados Unidos. No meio disso tudo, Bennett demonstra uma covardia irritante ao não conseguir encarar a realidade de Daya e, surpreendentemente, é a mãe do Pornstache que surge como a única chance de um futuro saudável para o bebê do casal. As participações da atriz Mary Steenburgen tornam-se indispensáveis para a explosão de um dos momentos mais dolorosos na metade final da temporada.

E é numa escala dramática crescente que encaramos o passado de Nicky e Boo com um aperto no peito. Natasha Lyonne não teve muito tempo de tela, mas a relevância do destino de Nicky para a trama de Morello - sempre se lembram da Uzo Aduba na comédia, mas deviam virar os olhos para a Yael Stone também - suprime a falta da personagem, que não é meramente esquecida. Já Lea DeLaria se entrega à backstory de Boo com um flashback inspirado e destruidor, que casa novamente com a questão de fé que seu personagem discute lá na premiere. No seguir em frente, ainda aqui, os roteiristas fazem Crazy Eyes e Taystee encararem a partida de Vee na cena que, com certeza, justificará a escolha do episódio quatro para a primeira Emmy Tape do novo ano.

Com Caputo garantindo o futuro de Licthfield, muitas possibilidades surgem para as detentas, e a gente também ganha novos pontos de vistas como um espaço merecido para Flaca e Chang. Novamente retorno elogios à escolha dos criadores da série em deixar Piper de lado e partir para seguir o passado e dilemas pessoais tanto das outras personagens como de novos rostos, como Berdie, a conselheira recém-chegada na prisão. O sistema de pista-recompensa, que já virou uma das características mais orgânicas de Orange is The New Black, apita alto ao começarmos a encarar os problemas com a comida - ou lavagem para porcos, não é mesmo? -; descobrir os escapes da Chang, tomar conhecimento das deliciosas regalias judaicas, com Cindy engatando um plot divertidíssimo e perceber que o culto ao redor dos conselhos mudos de Norma, vai além do que poderíamos prever.


No entanto, quando falo na inversão de protagonismos, Piper e Alex não são simplesmente esquecidas pela trama. As duas possuem, sim, um fio condutor central, junto com todos os outros que vão sendo brilhantemente tecidos. Piper embarca num conto sobre o mercado negro de calcinhas suadas, que só não figura como a ideia mais genial da temporada pois Crazy Eyes começa a escrever uma história sci-fi pornográfica, "As Crônicas das Trepadas Temporais", que é tão inspirada quanto a indústria de cheiros de Chapman. Assim, Alex é que enfrenta a paranoia de estar sendo vigiada por Kubra, e não é surpresa para ninguém que passamos a sentir o mesmo medo que ela, comprovando a variedade de nuances temática que a série consegue alcançar.


Afinal de contas, é só a gente dar uma parada no núcleo das mexicanas por poucos minutos, enquanto a carga dramática fica pesada num outro local, para garantirmos boas risadas. Desde a expressão louca de Blanca até as trocas de confidências entre Flaca e Maritza, não fica difícil encontrar um escape diante de tantas desgraças pessoais. Porém, é por Gloria que eu nutro uma "fanboyzice" maior. Não há ninguém em Orange is The New Black que fale mais palavrões, ou mesmo que consiga ser tão incisiva numa bronca. O impressionante é que a personagem vai além dos quotes marcantes e assume, ao lado de Sophia, um surpreendente discurso sobre preconceito e aceitação, como uma via de duas mãos. Entre a disputa de classes e a transfobia, tanto uma como a outra erram nos seus pré-julgamentos, e terminam tendo de lidar com o que a realidade crua, impôs em seus caminhos.

E o prêmio de "Melhor Mãe do Ano" vai para... ?!

Com Norma e seus dons milagrosos, temos tempo para as "meth heads" Leanne e Angie. Um tempo que se mostra essencial para desenvolverem a trama de Soso, que também está intimamente ligada com todo o culto montado pelas detentas mais perdidas de Litchfield. Não vou falar muito das surpresas que envolvem os ápices e ganchos mediados pela necessidade de se buscar algo para sustentar-se em meio a tanto caos, mas parabenizo Jenji Kohan por tocar sabiamente no plot da depressão com um cuidado poucas vezes visto, quando se fala no assunto.

É até engraçado pensar nisto, pois o próprio Caputo engrena uma postura auto condescendente, que vela o escopo depressivo com o qual ele conduz sua vida pessoal. O anseio por ser alguém, por destacar-se depois de desistir de tantos sonhos, humaniza Caputo e nos faz torcer para que ele não siga a visão maniqueísta de mundo, pregada por Figeroa. Healy também rima com o diretor da prisão, no que diz respeito à depreciação própria. Felizmente, a relação que ele constrói com Red vai afastando o tom de tristeza e impotência - frutos do casamento fracassado -, porém não o suficiente para relevarmos a forma babaca e misógina que ele utiliza para reduzir Berdie, ou mesmo o descaso diante da situação médica de Soso.

Neste ponto da temporada, é recompensador notar a organicidade temática do terceiro ano, que recoloca Red como a matriarca de muitas detentas de Litchfield e digna do respeito de outras líderes, numa temporada sobre fé e novos comandos. Taystee, por exemplo, assume o posto de Vee sem ao menos perceber, ao tratar de acordos pontuais com Red e tomar conta de Cindy, Poussey e Crazy Eyes sem subjugá-las como a vilã da temporada passada. Ao mesmo tempo, nomes como Pennsatucky, que um dia dominou religiosamente boa parte da prisão, prefere entregar-se a uma aventura que a permita escapar de todos os baques que ela já teve de viver até chegar naquele lugar. É a busca por um porto minimamente seguro, e pelo fazer-se existir recorrendo magistralmente em todos os subplots.


Por fim, Orange is The New Black consegue outra vez encerrar tudo o que foi iniciado nas primeiras horas, com um dedo para evocar catarses pessoais como poucas séries no ar. Do destino previsível, porém não menos promissor, da celebridade Judy King - teremos Blair Brown com suas fãs, ano que vem! -, até a trama de gestão do Caputo, que culmina com a reaparição da mítica galinha, a troca de cercas e o banho no lago, o presente maior aqui, é ver a expressão de cada uma daquelas mulheres, assumir tamanha felicidade diante de algo tão simples.

Nós não enxergamos o conceito de liberdade, pois ele é comum para quem está aqui fora. Para as mães, filhas, irmãs e amantes de Litchfield, liberdade é transcender num dia de sol com a possibilidade de viver, nem que seja  por pouco tempo, a pureza de um simples mergulho. Vivemos mais treze horas com histórias que foram da mais genuína comédia de situação ao drama cru e real de um mundo nenhum pouco interessado em meias palavras, quando a finalidade é descer o malho de forma injusta, ou não, em quem transgredir o mínimo dos preceitos básicos da nossa sociedade.

Sentirei falta dessas garotas por longos meses, porém a espera - tirando um ou outro gancho assustador, não é mesmo, Alex? - será das mais prazerosas. Afinal, eu ainda estou ouvindo I Want To Know What Love Is e devo continuar assim até junho do próximo ano. É muito, muito amor por Orange is The New Black.

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