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[Crítica] Cinquenta Tons de Cinza


Desde que surgiu, em meados de 2011, e explodiu como fenômeno literário, Cinquenta Tons de Cinza veio como algo embebido de polêmica e curiosidade. Preconceito ferrenho para alguns, descoberta para outros, a saga tomou conta da mente e da imaginação de mulheres de todas as idades, deixando de lado a estúpida ideia de que "sexo é coisa para homem", como defendem muitos dos que pararam no tempo e continuaram lá atrás, na época em que a terra era quadrada e que o mundo era visto apenas pelo ponto de vista umbilical de alguns.

O 'sexo' se tornou sim o tema de debate das conversas de final de tarde e de bate papos descontraídos, o que, para aquela parte arcaica da população, ainda chega a ser algo absurdo. Antes de qualquer crítica perigosa e pseudo-cult, é preciso admitir que o 'fenômeno 50 Tons de Cinza' marcou uma época em que, ainda que na péssima escrita e na perspectiva pobre de sua criadora, E.L. James, o mundo - e por mundo, me refiro exatamente àquela repressão velada ainda usual entre as mulheres - tornou-se de certa forma mais solto, mais leve e mais livre. Falar sobre sexo veio a ser algo normal (como deveria ser), independente do gênero, da idade e, principalmente, do preconceito. E se alguém esperava, cabalisticamente, que uma adaptação cinematográfica fugisse ao tema e aos moldes do livro, não. Cinquenta Tons de Cinza é sobre o que é. Ponto. Não adianta gritar, espernear ou fingir - descaradamente - um boicote ao filme quando, na verdade, é o preconceito e a hipocrisia o motivo de tanto alvoroço. 

A obra original da escritora britânica, aos que já a conhecem, é calejada, maçante e repetitiva; muitas vezes até desnecessária. No decorrer da leitura, a sensação é a de que, de algum forma, algo já lido se repete, tão amadora é a escrita de sua criadora. Não cabe, aqui, comparar uma obra literária a uma cinematográfica, como alguns insistem tanto em fazê-lo. Seja Cinquenta Tons de Cinza, seja O Senhor dos Anéis, livros são livros e devem ser vistos como tal, assim como música, assim como cinema; é como comparar uma árvore a um pássaro, ou um ônibus a uma porta. Não faz sentido. No entanto, falando de história - independente de seu formato - o que cabe ressaltar é que, tendo em vista o material original em que Cinquenta Tons de Cinza foi baseado, pode-se dizer, sem medo, o quanto o trabalho da diretora Sam Taylor-Johnson (O Garoto de Liverpool) e sua equipe de roteiristas foi eficiente em utilizar o melhor disponível para realização do longa, corrigindo várias pontas, deixando a trama até mais rica e interessante para o formato da vez.

Anastasia Steele (Dakota Johnson, da série Ben & Kate) é uma estudante de literatura de 21 anos, recatada e virgem. Um dia ela deve entrevistar, para o jornal da faculdade, o poderoso magnata Christian Grey (Jamie Dornan, da série The Fall). Nasce uma complexa relação entre ambos: com a descoberta amorosa e sexual, Anastasia conhece os prazeres do sadomasoquismo, apreciado por Grey. Desvendando o desconhecido, Ana vive a confusão de entregar-se a novos prazeres ou de esquecer de tudo tão rápido quanto os eventos que ocorreram em sua vida.

Quanto aos protagonistas, o filme se divide claramente em duas partes: a primeira, onde a química entre os atores parece zero e o interesse no que é contado ao espectador é ralo e confuso. A 'atração fatal' entre os dois se dá de forma nada orgânica, e se a intenção era a de mostrar um homem bilionário, atraente e, acima de tudo, consciente de seus atos, tudo falha. Nos primeiros trinta minutos do filme é impossível não ver com desprezo as atitudes e anseios de Grey; a impressão é, no entanto, que o motivo de tais percepções se deve - pelo menos a princípio - a um Jamie Dornan não tão à vontade em seu papel, sendo bastante caricatural em algumas cenas. No entanto, numa segunda parte da película - a melhor, diria - é Dakota Johnson que basicamente rouba a cena num exemplar perfeito da garota que, da desconfiança total em si mesma, torna-se a verdadeira dominadora de toda e qualquer situação gerada. No entanto, felizmente, os protagonistas encontram juntos o ponto certo para o casal; digo-lhes, portanto, que não há receios - se ainda existiam - quanto a escolha da dupla que entrega seu melhor, no final das contas.

As polêmicas cenas de sexo ocorrem sim, e aqui está um ponto alto do filme. Elas existem, não maneiram em seu teor, mas acontecem de maneira muito mais consciente do que no escrito original, onde tudo - realmente - gira em torno das relações. Quando ocorrem, as cenas (que somam cerca de 20 minutos, no total) são bem dirigidas, necessárias e extremamente sensuais; quem esperava ou torcia por algo apelativo e de mau gosto vai se desapontar. E há, ainda, algo muito importante a se comentar nestas cenas: a trilha sonora impecável composta ou adaptada especialmente para o filme. Destaco aqui "Haunted" e "Crazy in Love" (numa belíssima versão), da cantora Beyoncé, massivamente utilizadas na campanha de divulgação e magistralmente inseridas em cenas-chave do longa; a trilha incidental de Danny Elfman (O Lado Bom da Vida), por outro lado, é irritante e apelativa, forçando o espectador todo o tempo a emoções sem necessidade. O problema é ainda mais perceptível em cenas onde faixas cômicas praticamente inserem o slogan "cena realizada para fazer rir", de maneira quase vergonhosa.

Os demais personagens, como os pais de Ana e Christian, bem como os demais familiares, são subutilizados ou até mesmo inúteis. A cantora Rita Ora, por exemplo, que interpreta a irmã de Grey, aparece em uma única cena em figuração; Marcia Gay Harden e sua Grace Trevelyan Grey, mãe do protagonista, não aparece mais do que para distribuir sorrisos e dizer o quanto Anastasia é especial. E o padrão se repete com os demais.

Cinquenta Tons de Cinza decepcionará por ser menos polêmico do que a massa quer e insiste que seja, tomando todo o cuidado que pode para evitar qualquer rótulo previamente recebido. Com o bom trabalho dado pelas mãos da diretora Taylor-Johnson, o longa promete agradar os fãs da trilogia de E.L. James, que devem sair satisfeitos com o que verão na tela. Não pretendendo subestimar os que não possuem conhecimento prévio sobre a trajetória de Ana e Grey, Cinquenta Tons de Cinza vem para marcar este início de 2015, independente da interpretação que vier a sofrer.

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