loggado
Carregando...

[Resenha] Ausência


Ausência foi um livro que me chamou a atenção logo de cara. A interessantíssima proposta abria várias possibilidades de desenvolvimento, e prometia ser uma análise extremamente complexa e emocional da condição humana. Infelizmente, problemas narrativos, falta de desenvolvimento e clichês melodramáticos atrapalham a leitura, deixando de aproveitar todo seu potencial e, por fim, decepcionando o leitor.

Ausência conta a história de dois homens: Ervin de Apolinário, um professor aposentado, e Daniel, um médico neuropsiquiatra. Suas histórias se cruzam quando Ervin começa a apresentar sinais de uma doença degenerativa. Tudo estaria dentro da rotina do consultório, não fosse a doença de Alzheimer reavivar na memória de Daniel antigas dores, misturadas à paixão obcecada por Natasha, filha do paciente, provocando a desestruturação de seu casamento e a culpa por transpor seus limites éticos.

É impossível não se sentir empolgado diante de uma premissa tão interessante. A ideia de retratar um homem que aos poucos vai perdendo sua memória - e, portanto, sua identidade - poderia resultar num romance extremamente doloroso e existencialista; poderia assombrar o leitor, e ficar conosco muito após o fim da leitura. Infelizmente, Ausência desperdiça tamanhas chances, e prefere focar num triângulo amoroso cheio de clichês novelescos. 

A crise no casamento de Daniel devido à sua paixão por Natasha funciona como uma metáfora à ausência do título - enquanto Ervin está ausente por conta de sua doença, Daniel se torna ausente ao se afastar de sua família -, mas não como trama principal da história. O triângulo amoroso enche as páginas, mas não parece sair do lugar, e, em pouco tempo, passa a andar em círculos, chegando a repetir situações idênticas duas ou três vezes ao longo da história. Isto, somado ao péssimo desenvolvimento de personagens - que pecam pela falta de simpatia ao ponto de se tornarem irritantes - e à narração inconstante da autora Flavia Cristina Simonelli - que tenta ser poética, e somente poucas vezes consegue sem cair na pieguisse -, torna Ausência um livro lento e pouco desafiador.

Entretanto, não é só de falhas que Ausência é feito. As cenas que focam no Alzheimer de Ervin de Apolinário, apesar de reduzidas e secundárias, são sempre muito sombrias e perturbadoramente emocionantes. Fica a impressão de que, se o Alzheimer fosse o foco principal, provavelmente, Ausência se tornaria um dos meus livros preferidos, e, sem dúvidas, um dos mais dolorosos e viscerais em minha estante. Infelizmente, reduzindo sua melhor trama (e mote principal) a pouco mais que 30% do total do desenvolvimento, Ausência decepciona. 

Preferindo sentimentalismo melodramático a emoções genuínas, e clichês românticos a questionamentos existenciais, Ausência é um daqueles livros que, com tantos caminhos diferentes para percorrer, escolhe o pior. Falta carisma aos personagens, foco à história e poesia à escrita. Mesmo com um agradável clima de cinema europeu em seus diálogos e situações, Ausência não consegue aproveitar seu potencial, nem corresponder às expectativas. O que está realmente ausente aqui é um pouquinho de ambição.

Resenhas 4199052646522121754

Postar um comentário Comentários Disqus

Página inicial item