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[Resenha] Divergente

O início de uma distopia divertida, mas cheia de falhas.


O início de uma distopia divertida, mas cheia de falhas.

Com o sucesso de Jogos Vorazes, o gênero 'distopia' ganhou força entre o público adolescente. Cada vez mais livros de young adult optam pelo formato de trilogia para contar a história de jovens que sobrevivem num futuro inóspito - e, dentre elas, a mais popular, perdendo somente para a saga de Katniss Everdeen, é Divergente. Com a adaptação do livro homônimo chegando aos cinemas nesta semana, a trilogia coleciona novos fãs e novos prêmios, firmando-se como uma lucrativa franquia - mas será que é por mérito próprio?

Divergente conta a história de Tris Prior. Na Chicago de um mundo futurista, a sociedade foi dividida em cinco facções: Abnegação, Audácia, Erudição, Amizade e Franqueza. Cada uma dessas facções defende uma linha de pensamento diferente e é responsável por determinadas ações dentro da sociedade, mantendo assim o equilíbrio de poder e a paz. Cada jovem, aos 16 anos, deve optar por permanecer na facção em que nasceu ou mudar para outra, perdendo assim todo o contato com sua família. Tris está prestes a tomar esta decisão. Porém, na véspera da cerimônia, descobre ser Divergente, um tipo de pessoa que não se encaixa em uma única facção, e portanto não pode ser controlada pelas normas sociais - o que constitui grande perigo para a base do pensamento deste mundo.

A premissa de Divergente pode não ser exatamente original - muitos outros livros, filmes e séries já lidaram com uma trama parecida antes -, mas, independentemente disso, é impossível negar que é ao menos intrigante. Porém, o grande problema da saga de Veronica Roth é não fazer jus a nossa curiosidade: dentre as tantas possibilidades interessantes e tantos rumos que a autora poderia escolher seguir, Divergente acomoda-se e deixa de lado a discussão filosófica (que é o fator mais atraente na maioria das distopias) para focar principalmente em drama adolescente. Roth até cria uma mitologia instigante, mas, em vez de desenvolver o mundo futurista e suas cinco facções, passamos 70% do livro somente dentro da Audácia; as outras quatro facções são meras coadjuvantes, sendo que a Amizade e a Franqueza mal são mencionadas no decorrer do livro. Por isso, o mundo de Divergente acaba sendo confuso e mal explicado, deixando várias dúvidas no ar: como é que tal sociedade surgiu? Como é que tudo se mantém em paz, e não há rebeldes? Como é que ninguém previu as várias falhas no sistema de Chicago que culminariam nas inúmeras tragédias dos próximos livros?

E, dentro da Audácia, vemos somente mais do mesmo: Divergente dedica-se tanto a criar um teen drama que acaba deixando qualquer ambição de lado. O ritmo desenvolve-se muito lentamente, com poucas coisas interessantes realmente acontecendo, além de haver um foco gigantesco num romance que desde o início parece deslocado e forçado - no caso, a relação entre Tris e Quatro, que parecem dois personagens saídos diretamente de uma série da CW. Tudo isto contribui para uma bagunça na narrativa, que muitas vezes se confunde até mesmo quanto à mensagem que quer passar: seria um conto sobre o poder do individualismo, do trabalho em equipe ou... dos dois (?) E, quando chegamos no clímax, a história parece querer compensar tudo de uma vez, criando um caos cheio de ação, mas completamente destoado do resto do livro e sem um sentido aparente. E então, o livro acaba do nada e sabemos pouco mais do que quando abrimos a primeira página. 

A escrita de Veronica Roth também não ajuda: apesar de bem articulada e sempre muito clara, seu estilo narrativo é dolorosamente tedioso, principalmente devido ao fato de que não existe um estilo narrativo propriamente dito. Roth não se preocupa em tornar interessantes as palavras que coloca na página. Em vez disso, pretende simplesmente passar a informação, sem adornos, sem profundidade e sem emoção, fazendo com que a leitura, apesar de fácil de fluída, se torne rapidamente muito enjoativa.

O subdesenvolvimento da mitologia, da história e dos personagens incomodam, mas também existem pontos positivos. Apesar de arrastado, Divergente ainda serve como passatempo, podendo divertir um pouco o leitor que estiver disposto a ignorar os furos em seu enredo. Além disso, é bastante agradável acompanhar o amadurecimento de Tris em sua transição de uma facção para outra. É uma pena que, nos próximos livros, a personagem se torne uma das protagonistas mais irritantes de todas as sagas literárias atuais, um misto do sentimentalismo depressivo e superficial de Bella Swan com o ego inflado de Daenerys Targeryn.

Divergente é, sem dúvidas, decepcionante. Se eu pudesse resumir este primeiro livro em uma única palavra, chamaria de "bagunça", uma vez que a história quer ser tudo ao mesmo tempo, e acaba que não consegue ser nada. Uma saga cuja premissa poderia indicar algo tão profundo quanto Blade Runner acaba caindo nos clichês e servindo apenas como um genérico de sci-fi de ação dos anos 1980. É claro que muitos dos problemas deste primeiro livros são resolvidos no segundo - a discussão filosófica se expande e encontra uma direção, a mitologia desenvolve-se e ganhamos respostas, as outras facções são exploradas... Entretanto, todas estas coisas deveriam ser a base da história, desenvolvidas desde os primeiros instantes do primeiro livro. Isto mostra que a narrativa da saga não se importa em seguir uma linha lógica, simplesmente jogando a informação bruta no leitor e deixando para ele desenvolver. Bem, pode até ser que Divergente seja quase completamente falho e desinteressante - mas, ao menos, serve como guilty pleasure, que diverte, mas só se o leitor não pensar muito sobre o assunto. Talvez, a história flerte melhor com o cinema do que o fez com a literatura, mas, para isso, o roteiro terá que trabalhar as muitas falhas da saga de Veronica Roth; senão, apelará somente para aqueles interessados somente em ver dramas adolescentes e para os espectadores menos exigentes. Muito, mas muito menos exigentes.

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