loggado
Carregando...

[Crítica] Capitão América - O Soldado Invernal

Uma tentativa de fuga.


Uma tentativa de fuga.

A escalada do Capitão América, em sua adaptação para as telonas, é dotada de muito potencial para render um fascinante estudo de personagem apenas pela possibilidade de retratação de um homem menos adaptado ao super-heroísmo do que todos os seus companheiros d'Os Vingadores, aquele menos preparado para a necessidade de ser tornado uma liderança, um símbolo nacional. Como se não bastasse, o estudo ainda poderia abordar a oportunidade de retratá-lo como alguém que, fora de seu tempo, teria em seus valores e costumes tão diferentes dos atuais, um obstáculo na criação deste mesmo símbolo e liderança, ou mesmo como uma vantagem para a mesma missão, uma vez que o real desejo de sua nação é colocá-lo também como um líder na recuperação das "boas morais conservadoras" - tais quais como as de sua época. Uma pena, então, que os estúdios Marvel não desejem realizar algo nesta linha.

Nesta segunda aventura solitária do herói nos cinemas, Steve Rogers (Chris Evans, de O Homem de Gelo) continua trabalhando para a agência secreta S.H.I.E.L.D., comandada por Nick Fury (Samuel L. Jackson, de Robocop), realizando serviços de heroísmo "menores" do que os ocorridos em Nova York, por exemplo, como a captura de terroristas, normalmente em parceria com a agente Natasha Romanoff (Scarlett Johansson, de Ela), e seguindo numa experiência de adaptação aos tempos atuais após ter passado tantas décadas congelado. Acertadamente investindo numa atmosfera onde a ameaça está cada vez mais próxima, a fita então retrata atos violentos e terroristas ocorrendo através de pessoas disfarçadas dentro da polícia e da própria S.H.I.E.L.D., culminando no assassinato - ou quase isso - de Fury, e expondo ao Capitão que o perigo o rodeia e ele não deverá confiar em mais ninguém. O maior símbolo deste perigo é a organização subversiva H.I.D.R.A., sob o comando estratégico do traiçoeiro Alexander Pierce (Robert Redford, de Até o Fim) e responsável pelo grande vilão da trama: o Soldado Invernal (Sebastian Stan, de A Aparição).

É inegável que, pelo ponto da criação de uma atmosfera séria e realmente ameaçadora, Capitão América - O Soldado Invernal acerta como nenhum dos outros filmes do estúdio tinha conseguido. A condução de Anthony e Joe Russo, pouco experientes com produções cinematográficas, consegue criar uma atmosfera de verdadeiros riscos para o protagonista, sobretudo em ótimas sequências como aquela onde carros de polícia atacam Nick Fury ou do combate no elevador, excepcionais para simbolizar a proximidade desta ameaça. A fotografia de Trent Opaloch (de Elysium) também acerta neste ponto ao não apostar na grande presença de cores tão fortes ou vivas, preferindo investir, sobretudo, nas tomadas internas, numa maior predominância de cores frias, acinzentadas. O roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely - responsáveis, também, pelo texto do filme original -, no entanto, sabota a verossimilhança da ameaça criada, ao não fugirem do campo de conforto de seu estúdio, mostrando uma notável falta de coragem e comprovando que não devemos confiar nas produções da Marvel para tomar os riscos de matar qualquer personagem importante - mais uma farsa surge, sendo, aqui, a execução de Fury -, por sua falta de ambições artísticas em pretensão das ambições comerciais. Em mais uma "enganação" nesta produção, fica difícil envolver-se emocionalmente com os riscos corridos por qualquer uma de suas personagens - ainda que secundárias (vide o Agente Coulson) -, e ainda mais com as sequências de suas mortes, por ser previsível que, na verdade, elas deverão ser só mais uma farsa. Sem perceber, a Marvel está se sabotando.

Não que este seja o único problema do texto da fita, uma vez que outros como, por exemplo, a negligência das consequências dos grandes confrontos da trama para o "mundo real" - outro fator que vem tornando-se um habitual do estúdio - incomoda qualquer espectador que tenha a capacidade de questionar-se sobre como tamanha destruição não afetaria a população local, ou mesmo a presença de um ou outro diálogo extremamente expositivo - especialmente, aquele onde a bela Romanoff explica, numa espécie de interrogatório, o motivo de a sociedade necessitar da S.H.I.E.L.D., algo que sabíamos desde o início da projeção -, porém, quando propõe-se a fugir um pouco do habitual, Capitão América - O Soldado Invernal acerta em cheio, como ao construir seus principais conflitos partindo mais de diálogos do que ações - influência clara da entrada de Alexander Pierce na trama -, desenvolvendo-se com um estilo claramente influenciado pelos thrillers de espionagens clássicos, diferenciando-se do clima de ação descerebrada que, por algumas vezes, toma conta dos filmes de super-heróis. 

Comprovando ainda um claro amadurecimento ao deixar de investir num número exagerado de diálogos engraçadinhos - ainda que, hora ou outra, existam algumas inserções deslocadas, como aquela gag solta pelo Falcão (Anthony Mackie, de Sem Dor, Sem Ganho) em pleno momento de batalha -, em pretensão da supracitada atmosfera séria, é uma pena que o longa tente apenas superficialmente realizar um desenvolvimento dramático mais profundo para seu protagonista - poucos minutos são efetivamente gastos, na trama, para mostrar os conflitos de Steve com as perdas emocionais acontecidas durante todos os seus anos de congelamento -, expondo outra marca do estúdio - sim, mais uma! -, neste caso, a dificuldade em aprofundar suas personagens além dos super-heróis que eles são. (Está certo, a revelação da identidade do vilão é um ponto relacionado a isto, mas fica em segundo plano para os verdadeiros confrontos entre ele e o herói escudeiro). Capitão América - O Soldado Invernal não consegue levar seu personagem-título além de "um herói americano, um herói do mundo" - o patriotismo também marca presença na trama -, muito embora eu já devesse ter desistido de esperar isto.

Por sorte, se falha miseravelmente nesta missão, o longa-metragem é capaz de construir - e eliminar - um personagem deveras fascinante em sua jornada, sendo este o já citado Alexander Pierce, personagem de Robert Redford, um vilão realmente eficiente - muito mais do que o próprio Soldado Invernal -, justamente por, causando riscos ao herói mais através de suas atitudes, diálogos e comandos, do que por confrontos físicos justamente, conseguir surgir como um personagem elegante, frio e, justamente por isto, extremamente ameaçador; sem espaço para as personas exageradamente cômicas de Tom Hiddleston e seu Loki, na continuação de Thor, e Ben Kingsley com seu Mandarim, no terceiro capítulo do Homem de Ferro, Pierce tem pompa para efetivar-se como o grande vilão desta segunda fase dos filmes, e faz jus à escalação de um ator deste porte para vivê-lo - e, sinceramente, eu já fico frustrado por pensar que, apesar da corajosa decisão de eliminar o personagem na trama, o estúdio pode dar um jeito de "revivê-lo" numa produção futura pelo sucesso aqui presenciado, o que sintetiza como estamos ficando acostumados com a falta de ousadia da produtora.

Ainda que contenha boa quantidade de ação em bom equilíbrio com as atitudes dialogadas, Capitão América - O Soldado Invernal não é símbolo máximo de agilidade e faz as suas mais de duas horas parecerem um pouco inchadas, mas, ao menos, acerta em todos os pontos nos quais busca fugir da fórmula de seu estúdio - e se investisse um bocado a mais nesta linha, poderia pensar em ser um grande filme.

Crítica 3400418699061853352

Postar um comentário Comentários Disqus

Página inicial item