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[Review] True Detective 1x08 - Form and Void (Season Finale)

O mais perfeito equilíbrio entre os fatores - o contraponto com a natureza humana, em sua própria retratação.


O mais perfeito equilíbrio entre os fatores - o contraponto com a natureza humana, em sua própria retratação.

Privo-me da possibilidade de realizar um apanhado de tudo o que já foi passado em True Detective, até a triste chegada a este excepcional capítulo final, por considerar minha confiança não somente na atenção aos detalhes necessária para ser um espectador fiel desta série - e chegar a ler textos dissertativo-argumentativos sobre a mesma -, mas, especialmente, o fato de ela ter se consagrado justamente por não ter como objetivo tornar-se um entretenimento puro e esquecível - caminho pelo qual muitas séries atuais preferem seguir -, e sim uma obra televisiva cujos principais eventos permeiam a memória de sua audiência por um bom tempo.

Irei seguir a estrutura adotada pela própria estrutura deste Form and Void, evitando também o estabelecimento de uma retratação dos temas e eventos abordados no mesmo em forma de sinopse, uma vez que sabemos muito bem a que o final desta antologia veio: para resolver tudo, fechar esta estória. Veja bem, presenciamos o encerramento de uma temporada, não de uma série como um todo; ainda assim, True Detective continuará apenas como título, produto, uma vez que esta trama, estas personagens e, consequentemente, seu elenco, terminam aqui. E já deixam saudade.

Durante apenas oito episódios, a produção assinada por Nic Pizzolatto teve a notável competência de narrar uma trama em seus máximos detalhes, causar reflexão, melancolia em seus fãs por terem que abandonar suas personagens e, por fim, deixar uma marca no mundo da televisão, como símbolo de qualidade artística. Sim, tudo isto, em apenas oito episódios, causando inveja a tantas séries que não os alcançam com várias temporadas. Talvez, esta seja sua principal vantagem.

Para o episódio final, a obra adotou uma narrativa de ritmo corretamente ágil e acelerado, apenas contextualizando o espectador nas descobertas da dupla protagonista das últimas pistas que os levariam ao paradeiro do tal Carcosa - inserindo coesão em suas bases para não torná-lo conveniente -, e parte para a ação, para o encontro aguardado, para a revelação dos medos habitantes dos últimos minutos de nossos pesadelos. Levando os complexos e instigantes Rustin Cohle e Martin Hart à afastada, bagunçada e assustadora habitação de seu suspeito final, a série também os leva a entrar num território do qual não tinham controle, pois este pertencia ao inimigo. Leva o espectador ao terror psicológico.

Servindo como um exemplo cada vez mais raro do uso correto e justificado de um travelling circular - ao imergir-nos na visão primária e integral de Cohle daquele local, e à conclusão de que ali tudo terminaria -, Form and Void nos imerge imediatamente num clima de altíssima tensão e urgência. E o pouco tempo para resolver tudo beneficia muito nisto - como beneficiou durante toda a temporada. A partir do primeiro contato dos investigadores com aquelas pessoas, somos capazes de temer pelos seus destinos. Nas passagens da câmera por todos os atos de crueldade ali cometidos, o sentimos cada vez mais. Quando os protagonistas - inicialmente, apenas Rust, depois seguido por Marty - adentram-se no labirinto do assassino, somos fisgados imediatamente por um clima de tensão e terror inevitáveis, conseguindo provocar o choque visual mesmo sem a necessidade de explicitar tudo, e o choque psicológico, como muitas produções dedicadas ao terror de forma mais direta não atingem. A resposta para tudo isto, caso optemos por evitar uma definição técnica da atmosfera criada, reside no simples fato de a natureza humana incomodar, assustar e chocar muito mais o próprio ser humano, do que o sobrenatural, o desconhecido. Como raça, nos conhecemos, e por isso, sabemos até onde pode ir nossa crueldade.

Apesar de este que vos escreve, pessoalmente, concordar com a filosofia de Jean-Jacques Rousseau de que todo ser humano nasce bom, mas é corrompido por sua sociedade, é impossível negar que, na natureza de nossa raça, existem toques de crueldade. E estes, sim, são acrescidos da influência do meio onde vivemos, das necessidades pelas quais passamos, para virem a crescer ou não. Mas somos cruéis, causamos nossa auto-destruição, nossa impiedade é cada vez menor e nossos crimes cada vez mais absurdos. Uma atrocidade como esta narrada por True Detective não foge muito do que existe em nossa realidade, sendo justamente o que provoca o maior choque. E esta coragem, de mostrar de forma crua as impurezas de nossa própria raça, é justamente o que há de mais provocador, que mais incomoda, mas que muitas vezes, rende as obras mais fascinantes para o nosso acervo - como ocorreu, neste caso. Entre tantas outras discussões, a principal levantada por esta série, enquanto geradora de reflexão, parte da retratação de nossa própria natureza. Tomara que não sejamos cruéis, sabendo preservá-la bem.

Enquanto obra narrativa, creio que a maior lição de True Detective sejam suas personagens, em sua apresentação, construção e desenvolvimento. Se Maggie, em sua pequena mas significativa participação, encontra em Michelle Monaghan um poço de elegância em equilíbrio com um cinismo crescente, e os dois detetives responsáveis pelos interrogatórios de nossos protagonistas não contam com tempo para desenvolvimento além de alguns breves diálogos, a série narra com excelência a jornada de seus dois protagonistas. 

Como afirma Rust num diálogo de algum dos episódios, "A vida não tem tempo o bastante para ficar bom em algo, então tenha cuidado com aquilo no que você deseja ficar bom.", e quando trata-se desta produção, havia pouco tempo para exercer um desenvolvimento correto de um grande número de personagens, portanto, inteligentemente existe uma preferência por sequer criá-los, e concentrar seus esforços em dois nomes: Rustin Cohle e Martin Hart. A contradição criada desde o início entre estes dois gerou algumas trocas de diálogos memoráveis - mesmo com a hipocrisia inicial deste segundo, e talvez justamente por ela -, no entanto, o que realmente impressiona é o desenvolvimento desta relação a partir dali. Rust e Marty são como companheiros de prisão, e ambos estão aprisionados de diversas formas - tanto na estagnação de suas vidas, quanto, e ainda mais, no caso que investigam. Por isto, depois de tantos anos de afastamento desta investigação, nota-se que ambos, direta ou indiretamente, jamais a abandonaram. Eles precisavam finalizá-la, e para isso, veio esta última etapa, aqui abordada. A partir desta necessidade de superar tantas desavenças para reunir-se com um objetivo em comum, expõe-se também a volta de uma parceria, e vivenciar os últimos passos deste caso, um confrontamento traumatizante que quase tirou-os a vida e, por fim, a "libertação", ambos poderiam também libertar-se um do outro, mas não o fizeram. Pelo contrário, com a manutenção de suas personalidades, uniram-se ainda mais, e como comprovam os diálogos finais desta antologia, talvez fosse esta relação o grande foco da série. Existem jornadas de correção moral dentro disto - refletidas especialmente em Rust -, ainda assim, a construção da parceria sobrepõe-se a todas as outras.

O já citado confrontamento, em si, foi o pico de intensidade desta hora de episódio, foi a libertação. Um último passo que requiriu grandiosos esforços, causou muito de mal, mas fora necessário. Necessário, bem como o episódio final, perfeito no equilíbrio entre atingir uma resolução sem deixar nada para trás, e inserir a quantidade emocional - com conclusões sinceras - responsável por diferenciar esta obra de tantas outras. Equilibrado, como não é o próprio ser humano, eternamente dividido entre a luz e a escuridão. Seu último ensinamento - mais um a não ser esquecido.

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