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[Crítica] Capitão Phillips


Por mais que estivesse há alguns anos sem trabalhos de destaque como em tempos passados, Tom Hanks seguia como um de meus atores favoritos. Mas a falta de uma atuação arrebatadora do astro nesta fase bem mais madura de sua carreira era sentida, até que Capitão Phillips foi lançado.

No papel do personagem-título, Tom Hanks volta a entregar uma grande atuação e aproveita todos os dramas da história narrada pelo longa. História esta que já é relativamente conhecida e divulgada, abordando o capitão Richard Phillips (obviamente), que parte para realizar um trabalho no comando do navio MV Maersk Alabama. A eficiente escolha da brevidade na apresentação do personagem nos leva a crer que ele é um homem simples, dedicado à família e bastante competente no que faz, portanto este seria apenas mais um trabalho a ser realizado, com a responsabilidade de qualquer outro. Quando atravessa o reconhecidamente perigoso trajeto marítimo da Somália, no entanto, o navio acaba sofrendo o ataque de piratas somalis que o invadem com o objetivo de sequestrá-lo, e acabam conseguindo. Perdendo o poder sobre a embarcação, o capitão tenta das formas e estratégias possíveis manter-se no controle e entrar num acordo com os sequestradores, e acaba se arriscando no lugar de sua tripulação, sendo levado no sequestro para retirar os piratas do navio e deixá-lo, juntamente com sua tripulação, em segurança.

Utilizando-se da dramática história real e da presença de Tom Hanks como atrativos para o público, Capitão Phillips conta com bem mais do que isso para fugir do simplismo pela conquista de bilheterias, ainda que sua narrativa seja relativamente tradicional. Relativa, e nunca completamente, pois a condução aplicada por Paul Greengrass encontra o equilíbrio praticamente perfeito para a história que se propõe a contar, afastando-se de exageros dramáticos mas nunca aproximando-se, também, de uma abordagem seca que tornaria mais difícil o alcance do emocional de seu espectador.

Embora a pirataria seja mais explorada na história do Cinema como algo lendário - Piratas do Caribe e suas continuações são provas disto -, ou que ao menos fez parte de um distante passado, o roteiro de Billy Ray a partir do livro de Stephan Talty e do próprio Phillips, traz uma nova visão da pirataria, esta contemporânea e bastante real, às telas. Desde os momentos calmos no navio com poucos diálogos, passando pelo drama de sobrevivência e trazendo a visão de ambos os lados à sua abordagem, adicionando mais um ótimo ícone à filmografia do roteirista que já conta com ótimos trabalhos como os de Intrigas do Estado e Jogos Vorazes. Observe como o último fator apresentado entre as qualidades do texto adiciona à obra uma camada adicional da crítica social e política, característica marcante tanto nos trabalhos mencionados do roteirista Billy Ray quanto nos do diretor Paul Greengrass - Vôo United 93 está aí para confirmar isto -, aqui vemos com elegância e sutileza esta questão sendo abordada.

Em poucos diálogos - especialmente na primeira sequência com o capitão dentro do baleeiro, já sequestrado -, o longa consegue entrar no ponto que seria facilmente esquecido por obras mais convencionais norte-americanas, ao não esquecer-se de que os sequestradores somalis não estão realizando aquele crime simplesmente por serem os "vilões maus", mas por necessidades em conta da falta de condições para sobreviverem com dignidade no país onde vivem, constantemente com seus recursos saqueados por países maiores na imposição dos interesses capitalistas do desenvolvimento. Não que isto justifique realizar ações criminais, mas a falta de condições imposta a um ser humano desde o seu nascimento muitas vezes o condena ao crime sem que ele sequer compreenda isto, e ver este ponto abordado - ainda que brevemente - e dando origem a um comentário social é sempre gratificante para um cinéfilo que deseja ver profundidade em maior grau numa grande produção.

Mas se temos um novo exemplo em Capitão Phillips de como o diretor Paul Greengrass sabe realizar uma boa crítica política, o longa também adiciona à filmografia do diretor mais um bom exemplo de como este sabe contar uma boa história com tensão - já vimos isto em dois dos filmes da trilogia Bourne, comandados por ele -, utilizando-se aqui de todo o desespero que ronda a tomada de um navio para empregar os recursos que têm em mãos na criação de uma atmosfera tensa, especialmente em sua característica câmera inquieta, que aumenta o clima de tensão e realismo. Com sequências que exigem cortes mais rápidos - especialmente durante o ato do sequestro do navio, em si - e outras bem mais longas - neste caso, mais presentes durante a negociação do resgate -, a direção faz-se marcante como a grande qualidade do filme, ainda que permita uma notável queda no ritmo de sua narrativa a partir do início das negociações, que tomam um pouco mais de tempo do que deveriam, embora não tragam grande déficit à fita. Grande qualidade ao lado da atuação principal, claro.

Enquanto o comentário social e a condução de um thriller são criados a partir do roteiro e da direção do longa, a dramaticidade acaba tendo sua grande exploração a partir do trabalho de seu protagonista, Tom Hanks. Se seu personagem não passa por um desenvolvimento tão detalhado - e nem precisava -, denotando mais uma vez a elegância e sutileza de Greengrass, uma vez que não há grandes explicações por trás do personagem e temos mais material para que o espectador deduza mais sobre sua personalidade - quando perguntado sobre a família, por exemplo, sua resposta é rápida e sucinta, o que demonstra tanto uma possível crise que este vivencie com a família quanto sua tentativa de evitar uma aproximação pessoal com os outros membros da tripulação, sendo ele um capitão que concentra-se apenas na realização de seu trabalho -, mas o grande ápice da interpretação de Hanks surge já no terceiro ato, com os - poucos e contrastantes - momentos de maior explosão do personagem e em sua reação ao momento em que os sequestradores são executados, que demonstram o quanto Phillips foi afetado pelos eventos daquele dia - e ainda que ele não desejava que este fosse encerrado desta forma. Há tempos o eterno Forrest Gump não entregava um trabalho tão eficiente, ainda que não precise investir em maneirismos para marcar sua atuação, um recurso no qual facilmente um ator inferior insistiria para tornar seu trabalho mais marcante, e ainda poderia ser acrescentado que nunca antes, nesta fase mais madura de sua carreira, este grande trabalho havia vindo - A Viagem, no ano passado, pôde ser considerado um ensaio para o que ainda estaria por vir.

Mais do que trazer um grande ator de volta à boa forma, Capitão Phillips efetiva-se como um drama marcante e cheio de adrenalina entregue.

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