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[Crítica] Os Suspeitos


Existem poucos filmes na história recente do Cinema - especialmente americano, e de grande produção - que aproveitam ao máximo os recursos fornecidos pela narrativa cinematográfica para construir sua atmosfera. Aqueles que o fazem, estão no gênero do suspense, como é o extremamente bem-sucedido caso de Os Suspeitos.

Duas famílias reúnem-se no dia de ação de graças para celebrar a data. São pais, com dois filhos cada, em famílias tradicionais e aparentemente satisfeitas; ou, numa diferente visão do que virá a ocorrer, bastante vulneráveis à crueldade de quem quiser atrapalhar sua felicidade. Justamente nesta data, as duas filhas menores, Anna (Erin Gerasimovich) e Joy (Kyla Drew Simmons) acabam desaparecidas e, após a procura dos pais, passam a ser procuradas pela polícia, que conclui seu sequestro. As pistas para encontrá-las, infelizmente, são pouquíssimas, e a polícia segue as regras necessárias para desenvolver sua investigação enquanto as famílias vão cedendo ao desespero conforme o tempo passa e suas filhas parecem cada vez mais distantes.

Nestas famílias, temos os patriarcas Keller Dover (Hugh Jackman) e Franklin Birch (Terrence Howard) e suas respectivas esposas, Grace Dover (Maria Bello) e Nancy Birch (Viola Davis), com os filhos mais velhos, Ralph Dover (Dylan Minnette) e Eliza Birch (Zoe Borde). No comando da investigação policial, está o detetive Loki (Jake Gyllenhaal) - na primeira sequência que o retrata, este surge no dia de ação de graças sozinho, num restaurante isolado e puxando conversa com a garçonete que se aproxima, algo que define muito bem sua personalidade. O principal suspeito de cometer o crime retratado é Alex Jones (Paul Dano) e, após, sua tia Holly (Melissa Leo). Toda a série de personagens retratados exercem sua grande importância para a trama, e como em certo momento o detetive cita, "Nada pode ser descartado". Mas as interpretações de seu elenco são o que coroa sua composição. 

Enquanto Jackman entrega uma interpretação mais minimalista, mas que ainda assim entrega toda a explosão do desespero de um pai, Jake Gyllenhaal surpreende com uma interpretação cheia de trejeitos - desde o piscar de olhos forte e constante para simbolizar a sensação de perigo, até a melancolia que expõe em seu olhar - e Paul Dano, nos poucos momentos que ganha, constrói uma performance assustadora com seu jovem atormentado - investindo também em diversos trejeitos para a construção, desde a movimentação constante das mãos para simbolizar sua inquietação até o tom baixo de sua voz, que será melhor compreendido na conclusão -, e embora outros grandes nomes vivendo os pais de Joy façam bons trabalhos, não existem grandes exigências em cima deles - embora Howard se destaque no contraponto de seu personagem à personalidade de Keller -, e Maria Bello entrega com segurança a tristeza de uma mãe alcançando o estado depressivo; talvez Melissa Leo seja o elo mais fraco do elenco - algo que já diz muito sobre este. A dedicação de todos ali funciona muito bem.

A construção executada no roteiro, assinado pelo pouco experiente Aaron Guzikowski (responsável pelo fraco Contrabando, do ano passado), para cada uma destas personagens pode parecer simples, e não precisa fugir completamente de alguns arquétipos estabelecidos, mas a transformação pela qual as mesmas passam durante o decorrer da trama torna-o mais interessante, passando pela transformação complexa de Keller, que passa de um homem de família correto e moralmente exemplar a um homem moralmente corrompido quando age com violência brutal contra Alex, em quem ele insistia suspeitar pelo crime, passando dos limites na busca por justiça. Diferentemente de obras como o próprio Busca Implacável - que inevitavelmente surge à memória quando se trata do tema, e por isto foi o exemplo citado -, que utilizam-se da temática do sequestro e vingança como justificativa para o uso da violência em busca de justiça por alguém próximo - também podemos traçar uma interpretação mais sutil que relaciona a questão com os casos de violência policial na suposta justiça que recentemente vivenciamos sendo lamentavelmente celebrados no Brasil -, Os Suspeitos trabalha com profundidade o tema e consegue atingir todas as consequências que este recurso trouxe, não somente àquele que depois viria a sequer ser culpado, Alex, mas especialmente a quem o agrediu quando ficou cego na busca por seus objetivos. Não há também como esquecer o modo como todo o caso atingiu profundamente o detetive, que se viu obcecado por aquela investigação e fortemente afetado por cada um de seus ocorridos mais bruscos. Nesta visão, o título original (numa tradução literal, "Prisioneiros") funcionaria muito melhor, uma vez que a trágica história do crime aprisionou cada um de seus envolvidos, de qualquer forma fosse.

Na visão de um simples suspense policial, no entanto, a tradução também é funcional - embora eu preferisse a literal -, uma vez que o roteiro nos consegue apresentar em seu desenvolvimento diversas situações para levantar suspeita sobre qualquer personagem, e este recurso aumenta a sensação de urgência da narrativa, um de seus grandes méritos. Durante as mais de duas horas - bem justificadas, conseguindo transmitir bem a duração da investigação e, com isto, levanta tanto desespero - da projeção, não há um momento em que a sensação não esteja presente e o espectador não se pegue inquieto na poltrona, e este mérito se deve a toda a construção de sua atmosfera.

Para realizá-la, Dennis Villeneuve (do elogiado, também por ser devastador como este, Incêndios) e toda a equipe que trabalhou em Os Suspeitos prezaram pela técnica e a capacidade artística, aproveitando ao máximo os recursos fornecidos, assim gerando um clima sombrio e assustador digno de qualquer boa produção de terror, mas inseridos num suspense criminal que geram muito mais urgência pelo maior realismo da ameaça. Desde a edição de som de Bub Asman, que segue o exemplo de clássicos do gênero ao destacar a respiração das personagens para envolver mais o espectador com seu desespero, inserindo ainda elementos como o ranger de janelas e portas para evocar a presença de ameaças no local, aliando-se à quase que completa ausência de trilha sonora letrada - esta, assinada por Johán Johánsson, trabalha somente com sons instrumentais, fundamental para não inserir sentimentos mais aliviantes ao longa -, mas deixando o destaque por conta da fotografia do sempre excepcional Roger Deakins (em seu segundo grande trabalho seguido, diga-se, pois no ano passado realizou uma belíssima direção fotográfica em 007: Operação Skyfall), que destaca-se pelo clima soturno provocado e a presença de tons frios desde o início da fita - eficiente em evocar que já existia algo de melancólico naquelas famílias mesmo antes do ocorrido principal, embora este jamais seja mencionado. Mas fica a cargo do próprio Villeneuve, na função da direção, levar suas câmeras ao acompanhamento de cada passo de suas personagens, utilizando enquadramentos quase sempre estáticos, assim não vendendo-se às comuns câmeras inquietas utilizadas para provocar maior tensão, mas ainda assim aproveitando os mais variados ângulos que o são permitidos - como a sequência do detetive Loki no porão comprova. Cada um dos recursos, por alguns vistos como artifícios, utilizados pelo cineasta, teve sua função para a proposta da narrativa.

E após o desespero, a angústia. No terceiro ato, Os Suspeitos encontra em seu final o equilíbrio entre o que deve ser explicado - fazendo inclusive a conexão com a questão do labirinto e dos dois suspeitos principais - e o que deve ser deixado em aberto, sem subestimar seu público. Ao mesmo tempo alcançando a angústia sentimental do espectador pelos trágicos ocorridos que este presenciou - especialmente no destino encontrado pelo desfecho -, e o prazer de qualquer cinéfilo em presenciar uma grande obra como esta, que representa muito bem como pode-se alcançar, mesmo num projeto comercial, toda a capacidade da Sétima Arte em utilizar-se ao máximo de sua narrativa sem artifícios imaturos e previsíveis e, o mais importante, levando cada espectador a pensar e se questionar a respeito do filme visto horas e até dias após deixar a sessão. Afinal de contas, o Cinema não é uma experiência que dura apenas as horas preenchidas pela projeção. 

Resta então refletir se aquele homem realmente receberia seu último perdão.

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