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[Crítica] Minha Mãe é uma Peça - O Filme


Minha Mãe é Uma Peça - O Filme, adaptação de uma peça teatral criada e estrelada pelo mesmo Paulo Gustavo que também roteiriza e estrela esta versão cinematográfica, é uma interessante prova do aspecto autoral individual cada vez mais presenciada nas mídias artísticas, como podemos ver com cada vez mais artistas assumindo o texto, produção, direção, atuação e por vezes até mais funções dentro de suas produções, sejam elas televisivas ou cinematográficas, mas podemos apontar que o teatro é peculiarmente o palco originário e mais adequado para estes casos. Daí surgiu o inegável talento cômico do citado Paulo Gustavo.

A obra aborda a conturbada relação entre uma humilde família carioca formada pela mãe, dona Hermínia (Paulo Gustavo), sua filha Marcelina (Mariana Xavier) e seu filho Juliano (Rodrigo Pandolfo) - o outro filho, Garib, pouco influi - no qual os conflitos baseiam-se em crises simples da rotina desta família, como as preocupações excessivas da mãe com seus filhos, as brigas entre ela e seu ex-marido (Herson Capri), confusões em reuniões do edifício onde mora, entre outros ocorridos. Mas o estopim dos conflitos ocorre quando, numa ligação entre dona Hermínia e os filhos, ela acaba acidentalmente ouvindo as duras críticas dos filhos aos seus comportamentos e personalidade, pois Marcelina e Juliano esqueceram-se de encerrar a ligação. A mãe então se cansa de aturar a falta de reconhecimento dos herdeiros e decide que se mudará provisoriamente para a casa de sua tia Zélia (Suely Franco) para pensar apenas em si mesma, mas como toda mãe, é claro que não consegue esquecer de seus amados filhos. Enquanto isso, Marcelina e Juliano vivenciam a ausência da mãe para somente assim perceber o quanto ela os faz falta, mesmo que inicialmente neguem este sentimento.

Talvez o longa pudesse focar no desenvolvimento decorrido desta rotina entre os eventos dos conflitos que geraram o estopim da saída da mãe de casa e da rotina, tanto de dona Hermínia sem os filhos quanto de Marcelina e Juliano sem a mãe, para assim atingir a evolução que os levasse à previsível percepção de que não conseguem viver sem o outro, mas a estrutura que Minha Mãe é uma Peça - O Filme segue prefere optar por algo diferente. Acredito que os fique mais claro da seguinte forma: A estadia de dona Hermínia na casa de Zélia acaba gerando uma série de conversas entre a tia e sua sobrinha, com a curiosidade de Zélia sobre o passado da matriarca e sua família que geraram o esgotamento da paciência da mãe, e assim Hermínia vai relatando grande parte de seu passado desde o nascimento dos filhos, e o longa segue estes relatos com o surgimento de um flashback para cada um dos depoimentos da protagonista - divididos entre, por exemplo, um flashback para as confusões armadas na infância e juventude e outro para focar em algumas festas de aniversário dos filhos, entre diversos outros - paralelamente ao foco dos eventos no presente cronológico da narrativa principal, mas tomam bem menos tempo de tela do que os relatos do passado, que representam basicamente todo o segundo ato da projeção. 

Este pode ser considerado o principal problema do longa dirigido por André Pellenz em sua primeira experiência com longas-metragens e escrito, além de por Paulo Gustavo, também pelo pouco experiente Fil Braz, sua estrutura. A divisão em flashbacks para narrar os eventos é uma falha gigantesca, que torna a narrativa episódica, deixando que o público basicamente se sinta presenciando esquetes de um programa humorístico televisivo, com exceção daqueles que concluírem que isto é uma obra cinematográfica, e mesmo não conhecendo a peça teatral, imagino que esta abordagem funcione muito melhor nos palcos, mas aqui é um erro, e ainda se agrava mais quando estes flashbacks procuram apenas narrar eventos cotidianos simples e pouco interessantes para o desenvolvimento da trama, como um encontro entre a protagonista e uma vizinha que sofre com problemas intestinais (veja só, a comédia ainda conseguiu inserir piadas com os gases da personagem). 

E talvez sua principal qualidade seja justamente o fato de Paulo Gustavo estar tão acostumado a interpretar a personagem principal, e por isso o humorista consegue atribuir um ar tão natural, humano e carismático a dona Hermínia, unindo trejeitos e comportamentos que tantas mães pelo mundo contém em sua personalidade justamente para provocar a maior identificação desta com o público, e ele consegue isso, afinal de contas, as poucas risadas que consegue se tirar do filme são proporcionadas pela interpretação do protagonista, mesmo que tenha alguns excessos que podem ser percebidos, como a fala sempre exaltada e o fato de Hermínia estar costumeiramente arrumando tudo que ela percebe estar fora do lugar, mesmo que seja por um milímetro, que tentam sugerir algum tipo de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) oriundo da personagem, mas em nenhum momento este é desenvolvido ou citado pelo roteiro. Talvez a interpretação pudesse ser um pouco mais minimalista, mas ainda assim o ator acerta, construindo a personagem de um modo que leve o público a se importar com ela, diferentemente do que é feito com outros personagens, que pouco conseguem proporcionar qualquer identificação com o público, e é quase vergonhoso quando o longa insere, por exemplo, um outro - pasmem - flashback para encenar a morte de um personagem e inserir todo um tom dramático a este plano, assim esquecendo-se de que mal conhecemos o personagem para conseguirmos nos entristecer por sua partida - e não, eu não deixei de revelar seu nome pela questão dos spoilers, mas simplesmente pelo fato de que eu me importei tanto com sua presença no enredo que sequer me lembro de como se chamava.

Com alguns resquícios de problemas morais - como a negatividade como aborda a opção sexual de Juliano -, o longa consegue alcançar seus pontos mais altos com alguns diálogos mais divertidos entre dona Hermínia e seus filhos, ainda que não empolguem. Minha Mãe é uma Peça - O Filme poderá agradar boa parcela do público - na sala que eu estive, presenciei muitas risadas por parte dos outros presentes - por contar com uma série de situações cotidianas que gerarão identificação com um grande número de pessoas, mas que artisticamente soam pouco interessantes.

E após o previsível e ao mesmo tempo implausível reencontro entre a família - que ainda terá tempo de gerar aquela típica reunião entre todos os principais personagens na casa da personagem central da trama, típicas de uma sitcom qualquer -, aparentemente a projeção deixa como sua principal missão a lição de que, apesar dos conflitos, devemos sempre amar e respeitar nossas mães, pois elas nos fazem falta e blábláblá... Mas essa bela lição todos nós já conhecíamos.
 
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