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[Crítica] Ferrugem e Osso


É interessante observar como o clima de Ferrugem e Osso é, em grande parte de seu tempo em tela, conduzido por sua trilha sonora que, mesmo quando não se faz tão marcante, denota o formato que o filme segue, e como ele cresce nos belos e principais planos deste longa francês...

Estou longe de traçar uma linha comparativa, mas a semelhança deste Ferrugem e Osso com Intocáveis (outro filme francês lançado no ano passado), pode ser notada justamente por ambos tentarem fugir do dramalhão clichê que uma produção mais comercial americana poderia atribuir na condução de suas histórias. E se aquele dirigido por Olivier Nakache e Eric Toledano tem sua história em torno de seu protagonista ser tetraplégico, neste, dirigido por Jacques Audiard, temos sua protagonista sofrendo um acidente que a faz perder as duas pernas. Mas a comparação potencial logo se finaliza ao observarmos os diferentes modos como ambos fogem desta condução clichê: Enquanto Intocáveis sabe como poucos fazer comédia deste potencial dramático, Ferrugem e Osso é sim um drama, mas sua coragem e condução narrativa o diferenciam, e ambos os longas conseguem ser eficientíssimos nesta diferenciação. Mas agora vamos focar somente naquele que este texto aborda.

Enquanto Alain (Matthias Schoenaerts) passa por dificuldades ao criar o filho, Sam (Armand Verdure), e se muda para a casa da irmã na tentativa de estabilizar sua vida e conseguir um emprego, ele acaba conhecendo ocasionalmente Stéphanie (Marion Cotillard), que desde sua primeira aparição demonstra ser uma moça instável, irritando-se com algumas atitudes ali retratadas. Após a situação em que se conhecem, há um certo afastamento entre ambos.

A reunião acontecerá justamente após o acidente que dará a continuidade a trama, já que Stéphanie é uma treinadora num show de orcas, e enquanto trabalha numa apresentação, acaba sendo atingida por um dos animais. A cena do acidente é filmada de forma sensível como poucas vistas no Cinema nestes últimos anos, e percebe-se que a personagem está próxima de sofrer algum tipo de consequência quando os telões do show a retratam o tempo todo. Conforme o clima de lentidão da fotografia vai tomando a apresentação para a imponência de sua trilha sonora, e neste momento o espectador já está tomado pela tensão daquela cena, uma simples apresentação dos animais, e quando chega o momento do acidente, a comoção sutil atinge o público com a filmagem submersa que procura não retratar de forma mais detalhada o acidente físico e suas proporções, mas sim seu emocional, e talvez por isto a cena se torne tão bela. Numa quebra de clima, encontraremos a protagonista novamente, já no hospital, sofrendo o choque inicial por conta da perda de suas duas pernas. Poucos dias depois, ela vem a contatar Alain, na busca de um amigo com quem possa passar por aquela situação, mas a instabilidade por parte de ambos acaba tornando sua relação variante entre uma grande amizade, a tensão sexual e completos desconhecidos.

E este é justamente seu principal acerto na construção da jornada destes dois protagonistas: Em nenhum momento torná-los um casal típico, em que as crises românticas deste acabariam conduzindo o roteiro que se tornaria logo monótono. E Ferrugem e Osso está longe de ser isto, sabendo inserir crises individuais de ambos os personagens que conduzem suas camadas dramáticas. E é somente uma pena que em certo momento - e neste caso, acredito que por fatores comerciais - a montagem do longa prefira acelerar o processo de recuperação de Stéphanie e logo fazê-la se acostumar com as próteses que conseguiu para voltar a andar. Mas após esta decisão ainda há um bom tempo para se desenvolver outras tramas, que neste mesmo momento pareciam estar um pouco esquecidas, como as crises entre Alain e seu filho.

Sendo também eficiente na sua evolução para o casal de protagonistas, já que os períodos de instabilidade de Stéphanie aos poucos diminuem quando ela parece se sentir mais segura na situação que agora vive, é também interessante como o longa não apela para a mensagem social de sua aceitação na sociedade. Ferrugem e Osso insere este tema de forma natural e juntamente com seu desenvolvimento, isso enquanto Alain ganha mais responsabilidade inclusive para a convivência com seu filho, a medida que está mais envolvido com Stéphanie. Uma pena que ambos os seus intérpretes - mas especialmente Marion Cotillard - tenham sido esquecidos por algumas das principais premiações, já que a bela Marion é a escolha ideal para esta complicada personagem, e surge muito confortável no papel. Enquanto Matthias Schonaerts consegue chamar atenção exatamente por sua química com a atriz quando os dois contracenam.

Mas o destaque fica justamente pela sensibilidade ímpar com que algumas das cenas de Ferrugem e Osso se revelam, entre elas o já citado acidente da protagonista. Além desta cena, ainda há o belíssimo plano em que Stéphanie entra no mar pela primeira vez após o acidente, com uma fantástica fotografia que abusa dos tons claros, e assim como já havia acontecido, a cena se destaca ainda mais ao ser tomada por sua trilha sonora, mas ao contrário da força com que ela toma a cena do acidente, neste plano ela surge com sensibilidade.

Próximo aos seus minutos finais, o filme chega a dar os primeiros sinais de que cairia numa resolução clichê, ao trazer um início de fácil resolução para os problemas entre Alain e seu filho, com o encontro "bonitinho" entre os dois. No entanto, o longa sabe inserir de forma corajosa e brutalmente dramática uma situação que parte para a resolução da trama (fugindo de clichês): A queda do garoto da camada congelada de um lago por um "descuido" do pai, e o desespero deste ao tentar salvar o filho é mais uma cena de drama intenso. E após o salvamento, Ferrugem e Osso parte para seu desfecho final, deixando boas lembranças ao cinéfilo.
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