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[Review] Black Mirror - A Segunda Temporada

Uma temporada magnífica.


Uma temporada magnífica.

Cuidado: contém spoilers

Estou atônito com essa segunda temporada de Black Mirror. Não consigo acreditar que, além de manterem a qualidade da temporada anterior, atingiram um nível raro nas séries britânicas que concilia todas suas críticas sociais com bom ritmo e bons personagens. E esses elogios vêm de alguém que não é muito fã de séries britânicas, vale lembrar.

Não que eu tenha algum preconceito, mas uma parte delas centraliza-se em famílias disfuncionais, sexo, drogas... Esse tipo de coisa que a gente costuma ver na TV a cabo americana, sabe? Claro que estou generalizando e exagerando nesse conceito de acordo com algumas séries britânicas que conheço e que existem muitas exceções das quais sou fã ou tenho muito respeito (vide Downton Abbey, Doctor Who e Sherlock). Falta a capacidade de transmitir os sentimentos dos personagens, seus sofrimentos, suas alegrias e suas frustações. Sinceramente, pouquíssimas têm essa sensibilidade. E, no primeiro episódio dessa temporada, Black Mirror já consegue esse feito com muito sucesso, sendo um episódio tão emocionante quanto crítico.

Em Be Right Back, vimos como as pessoas estão fissuradas em redes sociais e outras tecnologias e que acabam por isolá-las no mundo real. Esta crítica não é simplesmente jogada na nossa cara, como se pensa. Toda e qualquer crítica social, que é a marca registrada da série, esboça-se de maneira bem sutil e interessante, tornando-se uma das séries mais inteligentes no ar atualmente. 

Mais do que sobre crítica, o episódio foca-se em um casal separado pela morte e como a tecnologia pode ajudar a suprir essa falta de alguém próximo. De como um programa de computador pode agir em uma pessoa solitária e depressiva que perdeu o marido e tudo o que ela precisava é de um consolo, alguém para fingir que ela não passou por aquele momento. E a tecnologia avançou a certo ponto que pôde se tornar uma companhia que procura substituir alguém próximo que faleceu, mesmo sem sentimentos e a memória de uma pessoa, a partir do que ela posta nas redes sociais.

O episódio foi muito triste e todo o drama da personagem foi bem genuíno e sem exageros. A cena em que a polícia vai à casa dela para relatar o acidente foi, em especial, de cortar o coração. Não só essa como todas de seu luto. De verdade, era impossível não se compadecer e se emocionar pela sua situação.

Todas as atitudes da protagonista são impulsionadas com algum gatilho, um choque que a faz “acordar para a realidade” e perceber a ilusão em que está inserida. Seja a gravidez ou a felicidade da irmã por ela ter "seguido em frente". Mas essa ilusão acaba por ser mantida pela personagem para evitar o sofrimento, apesar de que a moça tenha consciência de sua solidão. No saldo geral este episódio foi simples e sincero, com um final que deixou um tom realista e nos fez compreender completamente sua atitude.  

Já no genial White Bear encontrei inúmeras interpretações sobre quais seriam suas intenções, além, é claro, do tema central. Indubitavelmente, este não foi inteligente somente por sua ideia, mas pela execução, por como a inversão da ordem dos fatos foi essencial para nos surpreender e enxergar a personagem como um ser humano, não como uma cúmplice de um crime. Black Mirror nos fornece então uma outra opção de punir os que infringem a lei, uma maneira que remete à Lei de Talião, “olho por olho, dente por dente”, onde os justiceiros tornam-se piores que o criminoso. Uma punição extremamente severa e desumana que toda a população encontra uma maneira de se entreter com ela.

Ele ainda alfineta, segundo minha interpretação, o quanto as pessoas assistem TV por inércia, sem pensar no que estão vendo, e a obsessão por reality shows. Logo, White Bear transmite essa mensagem de utilizar impiedosamente esse vício em entretenimento como impulso para a punição de pessoas. Um ciclo interminável de atrocidades, como é observado quando o apresentador marca no calendário, que as pessoas topam participar diariamente.

O mais legal é que esse uso da tecnologia contra e a favor das pessoas, assim como é abordado nos dois primeiros episódios, não vem acompanhados da pretensão de prever quando esses fatos poderão acontecer. No entanto, com as provas de como a tecnologia está evoluindo rapidamente e como o homem utiliza seus recursos para coisas fúteis, a sensação é de aquilo poderia facilmente se tornar realidade.  

Por falar em futilidade, esse é o tema do terceiro e último episódio da temporada, The Waldo Moment. Não é um episódio tão emocionante quanto o primeiro e nem tão engenhoso quanto o segundo, mas ainda, sim, é excelente. Este retrata muito bem como a sociedade segue desinteressada pela política e que até mesmo um personagem de desenho pode conseguir seguidores vorazes. Em segundo plano, também fala dos bastidores da política, ao mostrar que atualmente qualquer pessoa pode se candidatar a um cargo público, mesmo com o passado sujo, e o descaso com as necessidades da população, onde muitos se encontram na sarjeta. 

Confesso que quando assisti ao episódio não tinha conseguido captar tudo e até pensei que este seria o pior episódio da série. Não poderia estar mais enganado. The Waldo Moment está carregado de análises irônicas da sociedade. Alguns eleitores, iludidos por uma suposta liderança que compartilha a mesma opinião deles de que a política não presta, votam em Waldo, mesmo tendo conhecimento de que aquilo não é real, que existe uma equipe por trás do personagem.

E esse personagem é controlado por um tímido e frágil humorista, que se encontra em constante conflito entre abraçar de vez seu lado Waldo, escolhendo se candidatar e cedendo à pressão da emissora e da equipe do programa, e ser quem ele é. No final das contas, por mais que ele tentasse reverter a popularidade do personagem e ter desistido, fiquei surpreso pelo público presente continuar admirando-o. Nota-se também como a mídia descarta seus representantes facilmente visando o lucro.

Para terminar, vejo como minha obrigação indicar Black Mirror a todos que não a conhecem, por ser inteligente e crítica como poucas séries são. Todos os três episódios são muito bem escritos e com uma ótima direção; na verdade, tudo de qualidade inegável. Àqueles que acompanharam essa temporada maravilhosa, resta-nos juntar as mãos e torcer pela renovação.

E você, o que achou da temporada? Alguma outra crítica passou despercebida? 

P.S.: Queria agradecer ao Kamon, que me ajudou a escrever essa review. Debater séries com os amigos nos faz enxergar coisas que não tínhamos reparado antes.   

P.S. 2: Waldo rumo à presidência!

P.S. 3: Fãs de séries britânicas, não briguem comigo, por favor.
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