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[Especial] Contos de Fadas e a estagnação de Hollywood

ATENÇÃO! Este artigo disserta sobre a opinião do autor, não envolvendo assim terceiros e/ou outros autores do blog.


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Este artigo disserta sobre a opinião do autor, não envolvendo assim terceiros e/ou outros autores do blog.

Na onda de João e Maria, é impossível ignorar as grandes transformações pelas quais o cinema moderno vem passando. Não falo de efeitos especiais ou coisas do tipo: falo do formato e das grandes intercessões entre as obras mais populares. A reinterpretação dos contos de fadas, que vem dominando o box-office dos últimos anos, está entre os mais adorados e mais odiados padrões cinemáticos que se desenvolveram com a força do apoio popular e também dos bolsos gordos de Hollywood.

Mas isso não acontece de todo para o bem. Mesmo eu, particularmente, sendo grande fã de contos de fadas – é difícil de deixar passar despercebidas coisas como as grandes lições de moral, as características psicológicas, toda a questão de costumes de época que não obstante tornam tais contos atemporais –, deixo um pé atrás a cada nova produção que surge. Se há alguns anos eu estava empolgado, o tempo (mas não somente ele) conseguiu matar ao menos um pouco dessa empolgação. Hollywood tem investido pesado em super-produções caríssimas para atrair o grande público, mas talvez esqueça do que vai acontecer assim que as luzes acenderem e esse mesmo público deixar a sala de cinema.

Muitos conhecidos meus consideram o início dessa onda de contos de fadas com Alice no País das Maravilhas, do mestre Tim Burton, lançado em 2010. Eu, entretanto, gosto de voltar mais um pouco até o muito infame Crepúsculo, de 2008, que mostrou que, ao menos sob o ponto de vista de bilheteria, é possível fazer sucesso com um filme de ação (?) voltado para o público feminino. Não podemos esquecer também que muitos consideram Crepúsculo como um conto de fadas moderno – afinal, Edward é a figura do clássico príncipe encantado medieval, isto é, bonito, respeitador e protetor da fraca e inocente donzela em perigo, Bella. Se Crepúsculo fosse realmente um conto de fadas, daqueles escritos e publicados séculos atrás, será que encontraria tanta desaprovação? É uma questão de timing, é claro. Se mesmo as reinterpretações de hoje colocam os personagens clássicos numa situação violenta e por vezes altamente sexual – para o clamor dos olhos dos espectadores modernos, é claro –, Crepúsculo, por ser tão retrô em tempos tão modernos, foi vítima do século XXI. Que fique claro: não estou defendendo Crepúsculo; apesar de achar as críticas um pouco exageradas, visto que este não é nem de perto o pior filme que eu já vi, também não acho que seja algo genial, apesar de ter tido um potencial imenso de início. Apenas caiu nas mãos erradas, e acabou sendo mais um romance Nicholas-Sparkiano sem nenhuma pretensão de ser mais do que já era.

Com Crepúsculo como ponto de partida – o que por si só não é lá a melhor coisa para se ser comparado –, surgiu, então, o mercado cinemático femenino-sombrio: apelando para grandes efeitos especiais, surgiram os tais contos de fadas, adaptados do público infantil para o adolescente. Seus precursores seriam o próprio Alice e A Garota da Capa Vermelha. Eu, apesar de não ter visto nenhum dos dois, usarei como exemplo os números da crítica: segundo o site norte-americano Rotten Tomatoes, Alice encontrou somente 51% de aprovação, com a principal crítica sendo o roteiro fraco, apesar de seu visual fantástico. Já A Garota teve o número baixíssimo de apenas 11%, o que é preocupante sem precisar de uma razão maior. Os motivos do fracasso são os mesmos de Alice: o roteiro fraco e seus muitos clichês desinspirados.

Após isso, vieram também Espelho, Espelho Meu, assim como Branca de Neve e o Caçador, Enrolados e A Fera. Enrolados chega a ser uma produção divertidinha e interessante, nada genial como outros filmes da Pixar, mas também muito agradável. Podemos considerar esta como uma exceção à regra, principalmente por não tentar demais ganhar o público adolescente. Não preciso dizer que foi imensamente desnecessário adaptar Branca de Neve duas vezes no mesmo ano – mais uma batalha de egos Hollywoodiana em que nenhum dos lados ganha. Espelho, Espelho Meu é apenas mais uma comédia romântica batida e ultrapassada, enquanto Branca de Neve e o Caçador, que poderia ser um filme muito interessante – eu tinha até mesmo altas expectativas quanto a isso –, acabou se tornando só mais um filme de ação medieval; só mais uma cópia mal feita de Senhor dos Anéis, só mais um filme imensamente amador e mal feito em diversos pontos, dentre os quais estão o ritmo inconstante, o desenvolvimento fraco e uma história que já vimos antes. Nem mesmo uma cat fight ou a ótima Charlize Theron conseguiram salvar o filme. Enquanto isso, A Fera, que já criou certa reputação entre as sessões de sábados à noite no Telecine, cai no mesmo patamar romântico de qualquer filme Disney Channel – muita água com açúcar e melação, e uma lição de moral que parece saída de qualquer novela das seis destinada à reprise no Vale a Pena Ver de Novo.

Mas falemos, principalmente, da novidade do ano: João e Maria – Caçadores de Bruxas. Vocês devem concordar comigo que, pelo trailer, já sabíamos que seria desanimador. A própria premissa parecia ter sido vomitada para fora de uma fanfic, ou ao menos de um livro satírico na linha de Orgulho e Preconceito e Zumbis. O filme, analisado antes de ser visto, de muitas maneiras parecia somente mais uma afirmação de que Hollywood parara de produzir filmes e passara a produzir produtos a serem comercializados; esquecendo qualidade, ou mesmo juízo, os filmes decaíam cada vez mais apenas para encher as salas de cinema, angariar alguns milhões para então caírem no esquecimento.

Foi com esse espírito que entrei na sala de cinema, e saí pensando no quão eu estava errado. João e Maria não é um desperdício de dinheiro épico – é um desperdício de história. Havia imensas possibilidades para o filme. A história era, de fato, interessante; os atores estavam bem, a direção e OST eram fantásticas para um filme de ação... Mas o que deu errado? Como um filme com tanto potencial pôde se tornar mais uma explosão de sangue e testosterona destinada a sessões eternas na Tela Quente?

O motivo é simples. É o mesmo que transformou todos esses contos de fadas no fracasso que são hoje, e que fez Crepúsculo se tornar tão odiado mundo afora: simplesmente não há pretensão de ser mais do que já é. Não há interesse em tornar os personagens adoráveis para o público, nem de nos envolver com a história semi-inexistente. Não há interesse em fazer reviravoltas inteligentes, se já existem reviravoltas clichês pré-determinadas que empolgam o público sem grande esforço. Não há interesse em investir em criatividade, se o que lucra é o batido e ultrapassado, se o que interessa são as grandes cenas de ação e os efeitos especiais, e não a história.

Hollywood começou a se reciclar faz alguns anos. Ponham aí a década de 80 ou de 90. Os filmes se tornaram fracos, apenas objetos para ganhar algum dinheiro. Perdeu-se o desenvolvimento de personagens, perderam-se novas histórias... quase tudo que vemos hoje no grande circuito já foi feito antes. É por isso que existem tantas adaptações de livros e remakes feitos em pouco mais de uma década: é a maneira que acharam de produzir novas histórias sem precisar de um grande núcleo criativo que vai dar errado. Existem exceções, claro, como Percy Jackson, que não tem nada a ver com o livro – mas isso não é vitória alguma, já que O Ladrão de Raios bate nos mesmos clichês reciclados, matando a criatividade que um filme desse nível poderia ter. Um prato cheio para a Sessão da Tarde. E, junto às adaptações literárias, remakes etc., entram os contos de fadas: são apenas mais uma forma de pegar aquela história clichê que já vimos em trocentos filmes antes e botar num novo universo – o universo dos contos de fadas. Onde está a “reinterpretação” que tanto falam? Não é novidade alguma. É o velho unido ao velho. Daí, é desperdiçado todo o potencial que esses filmes poderiam ter. O quão difícil é fazer um Labirinto do Fauno, que é um filme que pega emprestado muito dos contos de fadas, mas consegue ser cheio de conteúdo e emocionante? O quão difícil é trazer a magia infantil não só para os efeitos especiais, mas também para o filme como um todo? A Disney fez isso por mais de cinquenta anos, desde Branca de Neve até Tarzan, Mulan e Lilo e Stitch. Existem profissionais ótimos por aí; por que insistir em erros? Por que não adaptar a magia para o público geral, em vez de fazer um filme frio e visualmente belo, porém vazio? Once Upon A Time, que foi responsável por impulsionar ainda mais a produção de contos de fadas, apesar de ter ganhado fama depois que os mesmos já estavam na moda, faz isso por meio de questões familiares, questões de moral, de amor e de miséria. Pode ser que a série não agrade a todos, mas esta é uma reinterpretação que ao menos tenta ser mágica.

Primeiro foram as fantasias medievais e grandes filmes de ação baseados em franquias mundialmente conhecidas, como Transformers e Quarteto Fantástico; então, vieram os vampiros, com seus assim chamados “terrores-românticos”, e agora os contos de fadas. Qual será a próxima manobra de Hollywood para ganhar o público? As distopias e ficções científicas, seguindo a linha de Jogos Vorazes (como já acontece na literatura, com livros como Starters, Divergente, Caminhos de Sangue, entre outros; não estou criticando tais livros, até gosto de alguns, mas as semelhanças são inegáveis)? O cinema moderno está em colapso. A única chance para diretores e visionários que preferem fugir do clichê está no cinema independente, onde encontram muitas dificuldades, tanto envolvendo dinheiro quanto apoio. Hollywood começou a trilhar seu triste caminho, e nós somos apenas peças para o mesmo. Não podemos pensar muito além do que o filme nos permite, nem desejar mais. Temos apenas que pagar o ingresso e nos contentar em dormir em alguma cadeira reclinável.

***

Finalizando o texto, quero dizer que este é apenas um artigo de opinião própria. Não há nenhuma pretensão em criar uma verdade absoluta. Pelo contrário, a intenção é criar uma discussão acerca do assunto, a qual podemos continuar por meio dos comentários.

Futuramente, existem mais alguns lançamentos que poderemos acompanhar: logo nos próximos dias, teremos Jack – Matador de Gigantes, baseado numa espécie de mash-up do conto homônimo com João e o Pé de Feijão, aparentemente seguindo a mesma linha de João e Maria, isto é, grandes efeitos e pouco cérebro. Ainda, estreará Oz – Mágico e Poderoso, que espero com ansiedade, apesar das críticas um tanto desanimadoras e da incrível semelhança com a produção de Alice. Em 2014, chegam também Malévola, que conta a história da Bela Adormecida sob o ponto de vista de sua vilã, e A Bela e A Fera, com direção de Guillermo Del Toro. Quanto a estes nutro grande ansiedade, não importa o histórico de contos de fadas ruins produzidos até hoje – principalmente por que Malévola é, para mim, uma das melhores vilãs de todos os tempos e Guillermo Del Toro é responsável pelo fantástico Labirinto do Fauno. Começou também a produção de Cinderela, sem data de estreia. O mercado dos contos de fadas aparentemente vai durar por bastante tempo; só esperamos que seja melhor do que tem sido até então.
Especial 1456016726011002007

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