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Crítica | A Lenda de Tarzan


Quando uma história já é muito conhecida pela maioria das pessoas, é válido questionar o motivo para que ela ganhe uma nova adaptação. Podemos nos perguntar, afinal de contas, por que trazer Tarzan de volta às telonas, sendo que existem diversas versões cinematográficas da obra de Edgar Rice Burroughs, até mesmo uma famosa animação da Disney? A resposta que encontrei é mais simples do que parece: releitura. A Lenda de Tarzan é uma releitura de uma obra clássica para o século XXI em que o protagonista da história não é o homem selvagem que cresceu criado por macacos, mas sim o cenário, a natureza. Entretanto, a falta de vontade em explorar melhor essa relação entre humanidade e natureza compromete o longa, tornando instável e previsível um filme que poderia ser grandioso.

Para não recontar o que já conhecemos, o roteiro escrito por Adam Cozad e Craig Brewer apresenta uma narrativa que ocorre oito anos após Tarzan conhecer Jane e voltar para a Inglaterra, onde assume seu nome original, John Clayton III. Vivendo uma vida na elite britânica, John é convidado por George Williams (Samuel L. Jackson) para retornar ao Congo e ajudá-lo a descobrir se o Rei Leopoldo da Bélgica está escravizando a população local. John aceita o convite e retorna à Africa com Jane e Williams, e é lá que seus problemas começam. Tudo porque o enviado do Rei Leopoldo, Leon Rom (Christoph Waltz) fez um pacto com o líder de uma comunidade local para capturar o lendário homem selvagem.

O roteiro, como dito, é previsível e a construção das personagens, com exceção do Tarzan de Alexander Skarsgard, é incompleta, chegando a ser superficial em alguns momentos. É triste ver alguém com o talento de Christoph Waltz interpretando um vilão unidimensional, o clássico explorador ambicioso. São poucos os momentos em que ele tem a chance de apresentar o melhor de seu trabalho, além de ganhar frases batidas como "eu sou o futuro" ao confrontar Tarzan. Não por menos temos o George Williams de Samuel L. Jackson, responsável por ser o alívio cômico, mas também por colocar em cheque sua posição ao comparar o ato dos belgas no Congo com seu próprio comportamento contra os índios nos EUA. Esse é um dos momentos do filme em que a releitura fica mais clara e onde o roteiro mostra que foi escrito tentando repensar o comportamento do homem branco na África do século XIX. Entretanto, a falta de profundidade nessas questões prejudicam o que poderia tornar A Lenda de Tarzan um filme memorável.

A fotografia, principalmente nos planos gerais, é belíssima e valoriza a paisagem. Sequências na savana, rios e floresta a dentro captam a experiência de se estar em um ambiente selvagem. David Yates, conhecido pela franquia Harry Potter, cria sequências de ação em que o cenário é por vezes herói e por vezes vilão. O orçamento não tão grande compromete a veracidade de alguns efeitos, principalmente a reprodução de alguns animais em cenas à noite, como elefantes, gorilas e onças. Porém o roteiro, que peca na construção de suas personagens humanas, cresce quando trabalha a relação de Tarzan com a natureza. Tarzan não fala com os animais, como acredita Williams, mas os respeita e os entende. O mesmo ocorre entre a relação das comunidades do Congo com Tarzan e o meio ambiente em que vivem, mas não sou especialista em antropologia para saber se a reprodução das comunidades no filme é coerente. No entanto, fica óbvia a tentativa do roteiro de mostrar como a exploração européia fez muito mal ao continente e como os africanos viviam muito bem sem a interferência externa. Vale uma cena chocante de comércio de marfim, um plano que dura apenas segundos, mas é uma reflexão sobre o porquê de tantos animais mostrados no filme, hoje em dia, estarem em risco de extinção, entre eles os próprios gorilas. É uma pena mesmo que, ao invés de investir nesse ponto, o filme se perca na tentativa de Tarzan em salvar Jane. Ao menos a Jane de Margot Robbie não é nenhuma donzela frágil e estereotipada, o que seria terrível para uma releitura.

No geral, A Lenda de Tarzan é uma boa aventura, com sequências de ação interessantes e com um ritmo que, apesar de não ser constante, não compromete o interesse do público na história contada. Os efeitos 3D proporcionam uma experiência mais completa, porém nem de longe são essenciais para a narrativa e talvez até prejudiquem a fotografia do longa-metragem. Destaco positivamente a edição de som, mas a trilha sonora deixa a desejar. Parece lembrar a de diversos filmes de aventura, o que, aliado a clichês dispensáveis, torna a experiência de assistir ao filme ainda menos peculiar.

Alguns podem achar que é mais do mesmo, e não os culpo. Alexander Skarsgard apresenta uma atuação sólida, destacando os aspectos de alguém criado na selva. O fato de ser mais um homem branco liderando comunidades e animais na África pode pegar mal e desatualizado para o que tenta ser uma releitura, porém a personagem é muito complexa, uma vez que não foi criado entre humanos, e está à parte do racismo social presente na Europa e nos EUA. O filme esboça uma crítica ao racismo, contudo fica apenas nesse esboço, o que é uma pena. Um roteiro um pouco mais corajoso faria deste um filme maior, pois direção e fotografia para isso ele tem. Sem isso, A Lenda de Tarzan deve ser apenas mais um título da longa série de adaptações dessa história, mas passível de esquecimento logo após o público sair da sessão.

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