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[Crítica] Sicario: Terra de Ninguém


Quer saber sobre a engrenagem do relógio? Por ora, fique de olho nos dois ponteiros”. A frase dita pelo personagem de Benicio Del Toro à personagem de Emily Blunt diz muito sobre o que veremos em Sicario: Terra de Ninguém. O thriller é uma imersão profunda nos bastidores da guerra contra as drogas, uma corrida atrás do vento que, ao invés de resolver o real problema (que é mais complexo do que muitas pessoas supõem), tem ceifado vidas em ambos os lados do conflito.

A agente do FBI Kate Macer (Blunt) é recrutada pelo operativo da CIA Matt Graver (Josh Brolin) para integrar uma força-tarefa cujo objetivo é minar as áreas de influência de um cartel que age na fronteira do México com os EUA. Além dos dois oficiais norte-americanos, somos apresentados a Alejandro (Del Toro), o misterioso braço direito de Matt de origem latino-americana cujo passado é obscuro. À medida que a operação avança e certas características de sua natureza são desvendadas, Kate precisa lutar para manter-se íntegra enquanto mergulha cada vez mais fundo no lamaçal de imoralidade que cerca a sua missão.

Ambiguidade moral é um aspecto recorrente na filmografia de Denis Villeneuve, como podemos ver em filmes como o drama canadense Incêndios (indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2011) e o suspense Os Suspeitos (com Hugh Jackman e Jake Gyllenhaal). Dessa forma, o que poderia ser mais um filme de ação que tem de um lado os agentes da lei norte-americanos como mocinhos e do outro os traficantes mexicanos como vilões, torna-se um thriller inteligente e eficaz ao abordar as áreas acinzentadas de ambos os mundos. Com roteiro de Taylor Sheridan, Sicario: Terra de Ninguém se concentra no que as investidas norte-americanas contra o tráfico de drogas têm de moralmente duvidoso. Oficiais que sabem muito bem quem são as figuras chaves dos carteis, chegando a fazer acordos com alguns deles; e que não hesitam em adotar a tortura como método de interrogar seus suspeitos. E Villeneuve cria com maestria os momentos de tensão e violência em seu longa, que servem organicamente para a história e sem jamais exaltá-los.

Outro destaque importante para a eficácia do filme é o trabalho de Roger Deakins, um dos maiores diretores de fotografia em atividade. Sua fotografia investe majoritariamente nas cores quentes, filmando desde um personagem em meio as sombras dentro de sua casa, enquanto o dia está ensolarado e as crianças brincam do lado de fora; até os agentes em contraluz caminhando para executar uma operação enquanto o sol se põe. Não podemos deixar de citar também a trilha sonora de Jóhann Jóhannsson, que acentua os momentos de tensão.

Uma das melhores e mais versáteis atrizes trabalhando no cinema atualmente, Emily Blunt entrega uma interpretação irretocável no papel de Kate Macer. A britânica é hábil ao representar o desgaste emocional de sua personagem idealista, que tenta a todo custo não sucumbir perante a face sombria do combate ao narcotráfico. Desgaste que é ilustrado quando, em certo momento do filme, precisando manter a calma depois de um tiroteio na fronteira que terminou em tragédia, a policial pede um cigarro para um colega, hábito que aparentemente a personagem tinha largado. Além disso, seu rosto sugere uma angústia intensa ao ver que precisa lidar com as situações do dia-a-dia. Ao passo que Josh Brolin brilha ao desenvolver Matt como um sujeito que há muito abraçou a natureza repugnante de seu trabalho, agindo com o cinismo. No entanto, a atuação mais difícil e complexa do filme é a de Benicio Del Toro. Alejandro é o perigo em forma de pessoa, e só o seu olhar é capaz de inspirar ameaça e medo. Movimentando-se de forma cautelosa e falando num tom de voz baixo, Del Toro desde já é um favorito para a temporada de premiações por este que é um de seus melhores trabalhos na tela grande.

Brilhante do início ao fim em sua abordagem perspicaz da guerra contra as drogas, Sicario: Terra de Ninguém é a prova de que Denis Villeneuve é um talento que veio para ficar. É sempre revigorante assistir a um filme que não é só um mero passatempo, mas que instiga a reflexão a respeito de assuntos contemporâneos e relevantes. Este é um dos melhores filmes do ano e vale a pena cada minuto.

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