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[First Look] The Whispers 1x01 - X Marks the Spot


É difícil viver numa era após um marco, ao menos no âmbito da produção televisiva. Sempre que uma ideia ganha um espaço um pouco superior entre o público, surgem inúmeras outras propostas parecidas ao longo dos anos para tentar capitalizar a hype - em total detrimento ao cansaço do público e à desesperada necessidade por novidades. 

Eis que surge The Whispers, uma ficção científica procedural na linha de The X-Files como tantas outras. Baseada em conto (que não li) de Ray Bradbury, The Whispers conta a história de um distinto grupo de personagens. Claire Bennigan (Lily Rabe) é uma especialista infantil do FBI que acaba de perder seu marido; juntamente a seu novo parceiro, Jessup Rollins (Derek Webster), ela deve investigar um caso aparentemente burocrático de uma criança responsável por quase matar a própria mãe. Entretanto, ela logo descobre sinistras conexões com outro caso, e desconfia que tudo faça parte de um crime maior e mais perigoso. Wes Laurence (Barry Sloane) é um oficial do Departamento de Defesa trabalhando no Deserto do Saara, afastado de sua família após seu caso com outra mulher ter sido descoberto; sua esposa, Lena (Kristen Connolly), tenta lidar com a situação, ao mesmo tempo em que sua filha, Minx (Kylie Rogers), começa a demonstrar um estranho comportamento. Um misterioso homem (Milo Ventimiglia) observa de longe tais casos. Com vidas aparentemente desconectadas, as histórias destes personagens se entrelaçam a partir de uma grande ameaça sobrenatural, que parece usar crianças para adentrar nosso planeta.

É difícil analisar uma série apenas por seu piloto, afinal, já tivemos experiências ruins com histórias que viriam a se tornar grandes. Entretanto, sem dúvidas, o primeiro episódio é a porta de entrada para o público geral e um dos principais meios de garantir uma primeira temporada de sucesso. X Marks the Spot é um piloto falho e aborrecido, mas que, sem dúvidas, consegue prender nosso interesse por ao menos mais alguns capítulos.

O desenvolvimento, a princípio, causa estranheza. Não só a série não tem nada de novo a dizer, ainda o diz de maneira atravancada e corrida, como se ansiasse pelo fim imediato de seus primeiros quarenta minutos. Em ritmo acelerado e inconstante, X Marks the Spot parece convencido de que deve introduzir às pressas todos os pontos mais importantes de sua trama, mesmo que isso afete diretamente a criação de uma atmosfera. Apenas muito raramente o piloto consegue atingir o tom sinistro que propõe desde o primeiro minuto, falhando em construir o mínimo de senso dramático. Para completar, seu texto, didático e óbvio, parece aterrorizado em ceder ao espectador a mínima abertura para uma interpretação própria, fazendo questão de esmiuçar cada mínimo detalhe da maneira mais clara e direta possível. Isto, claro, atinge de forma irrevogavelmente negativa o desenvolvimento de personagens, que jamais passam de meras caricaturas saídas de um livro de fórmulas para roteiristas. Ali estão a detetive dedicada a desvendar um mistério inexplicável e seu parceiro cético; o onipresente presidente norte-americano, aparentemente moldado diretamente do clichê de aparência republicana; os dramas humanos extremamente ordinários, que, ao final, revelar-se-ão conectados; as várias conveniências mirabolantes que permitem a trama seguir em frente em reviravoltas não muito críveis. Tudo já feito antes, tudo já visto antes. Em termos puramente textuais, The Whispers não passa de uma colagem inferior de várias séries do gênero.

Porém, é quando falamos de técnica que The Whispers passa a se destacar. Ignoremos primeiramente os efeitos sonoros bregas, que comprometem um pouco a seriedade da tecnologia sci-fi disposta em algumas poucas cenas. Foquemos na direção espetacular de Mark Romanek e Brad Turner, que, não fosse a inabilidade do roteiro, conseguiria compor um clima de fato sinistro que correspondesse às necessidades da trama; Romanek e Turner dominam bem diversos artifícios direcionais, e mostram-se capazes de criar grandes momentos visuais a partir de pequenos maneirismos, como a alternância entre zoom in e out numa cena em que duas crianças entram num tubo, indicando uma noção de direcionamento que condiz com a evolução do suspense, ou a alteração na profundidade de campo na cena em que Wes descobre um corpo estranho a envolver um avião despedaçado, ilustrando sua surpresa com tamanha grandiosidade. 

Voltemo-nos ainda para a belíssima fotografia, que, já na cold opening, demonstra-se cuidadosamente trabalhada ao destacar um feixe de luz - numa clara metáfora para os invasores invisíveis -, e que, mais tarde, será essencial para definir cada ambiente de acordo com a palheta de cores, desde uma delegacia cinzenta e fria até um jardim colorido e vibrante. A trilha sonora também desempenha um papel especial ao emular nostalgicamente trilhas clássicas de filmes B dos anos 1950, quase numa referência ao próprio Bradbury. Ainda que seja superutilizada, e, por vezes, constituir o principal motivo para a falta de dramaticidade de determinadas cenas, a beleza de sua orquestra é sempre bem-vinda. E, por fim, como não comentar a performance de Lily Rabe, que, em uma única cena de maior exigência emocional, demonstra a extensão de seu talento? Isso para não falar dos maneirismos comedidos, mas sempre muito válidos, que ilustram a fragilidade e a humanidade de sua Claire, num papel que normalmente exigiria apenas uma postura altiva e a frieza de uma personagem traumatizada. Rabe foi a principal motivação de meu interesse por esta série, e, ainda que apoiada em um roteiro ruim, ela consegue validar toda a admiração nutrida internacionalmente por seu trabalho desde sua Sister Mary Eunice, de American Horror Story.

É difícil acreditar que, com a já paupérrima audiência do piloto, The Whispers sobreviva para uma segunda temporada. É garantido, pelo menos, com todas suas falhas, que a série tem forte potencial para um divertidíssimo guilty pleasure. Seja como for, X Marks the Spot é um esforço mediano que merece nossa atenção pelo espetáculo visual e também pela rara diversidade étnica em seu elenco, um exemplo para outras produções norte-americanas de todos os gêneros.

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