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[Crítica] Mad Max: Estrada da Fúria

A boa e velha ultraviolência.


A boa e velha ultraviolência.

É difícil encontrar, no âmbito dos blockbusters, um filme tão glorioso quanto Mad Max: Estrada da Fúria. A franquia da qual faz parte é tanto revolucionária quanto bizarra. Odeio o primeiro filme, mas é impossível não reconhecer sua eficácia em arrancar cenas de ação incríveis de um orçamento limitadíssimo e em tecer uma ácida crítica ao estilo de vida e aos valores da classe média; tenho mais estima pelo segundo, um grande, sombrio e frenético filme de ação, e o terceiro, ainda que represente o momento mais frágil e menos criativo da trilogia, tem lá seus momentos.

Estrada da Fúria se aproxima gloriosamente do segundo capítulo da trilogia original, mas mesmo este não seria capaz de transmitir a grandiosidade da ambição de George Miller. Agora com mais efeitos, maior orçamento e melhores valores de produção, Miller graciosamente compõe uma ópera de caos e violência que jamais poderia imaginar em sua juventude. O novo Mad Max é um blockbuster exemplar, um modelo a ser seguido, pensado e executado em mínimos detalhes, ao menos visualmente. O argumento é, de fato, extremamente simples (do início ao fim, o filme retrata uma perseguição ao longo de uma única estrada, o que faz suas duas horas parecerem desnecessariamente longas), e por vezes incomoda; sua objetividade em dispensar qualquer item supérfluo e ater-se a uma premissa básica e suas cenas de ação - uma abordagem característica da franquia, iniciando sua narrativa já numa cena chave -, também. Mas o texto jamais foi o ponto forte da saga de Max Rockatansky.

É para as imagens na tela que deveríamos nos voltar. Estrada da Fúria é indescritivelmente esplendoroso; a revolução visual promovida no gênero por The Road Warrior (1981) parece empalidecer perto desta nova realização. A fotografia brilhante de John Seale, opondo a aridez do deserto às cores vibrantes do céu e da pouca vegetação em cena (numa clara alegoria para pequenos focos de esperança), bem como o tom frio e morto de determinadas cenas, aliada à direção de arte genial e figurinos inspirados, possibilita que a visão ambiciosa de Miller ganhe vida. Visão esta, aliás, que merece a maior parcela de nossa atenção: a direção frenética de Miller, com seus planos milimetricamente calculados, suas recorrentes brincadeiras com aspectos muitas vezes secundários para o cinema, como a profundidade de campo, e suas cenas de ação fanaticamente coreografadas, demonstram seu profundo conhecimento técnico e dão o tom anárquico típico da franquia, o delicioso exagero caricato que beira ao humor negro. Cada detalhe deste filme é feito para impressionar, e, às vezes, chocar, jamais esquecendo o quão cruel é este mundo de embates e guerras. Cada grande cena de ação é digna de um clímax para qualquer outro filme, e, mesmo nos breves momentos de calmaria que as precedem, a tensão é incessante. Tudo ainda mais intensificado pela atmosférica trilha sonora de Junkie XL. Não se trata de mera diversão: é uma descarga contínua de adrenalina, um orgasmo explosivo, uma overdose tamanha que fica difícil para a concorrência construir algo tão empolgante quanto.

E, mesmo com tanta loucura cena, Estrada da Fúria ainda encontra tempo para seus protagonistas. A superficialidade do roteiro em momento algum atrapalha o desenvolvimento psicológico de seus personagens - na verdade, inacreditavelmente, chega a extenuá-lo. Os poucos diálogos e poucos olhares dão lugar a breves reflexões sobre esperança, empatia e humanidade, que, mesmo quietas, escondidas debaixo de toda a ação, saem da sessão junto com o espectador. A mitologia pós-apocalíptica da franquia está mais sinistra e trabalhada do que nunca, desenvolvida através de elipses, sem jamais escancarar seus significados e apostando certeiramente em breves gags como maior fonte de interesse e impacto. O luto de Max, presente em especial no segundo filme da franquia, também é repaginado e ganha força junto à edição de Margareth Sixel; mas Max deixou de ser o protagonista no momento em que deixou para trás sua vida burguesa, ainda no primeiro longa da série, em 1979: assim como o Pistoleiro Sem Nome de Sergio Leone, interpretado por Clint Eastwood, Max apenas se insere num conflito maior do qual tenta escapar da melhor maneira possível. É a Furiosa de Charlize Theron que brilha em cena, dando à história um tom potencialmente feminista, não somente ao abordar libertação feminina, como ao provar que há, sim, bons papéis para mulheres num gênero (e numa indústria) que constantemente as marginaliza e as diminui. Theron é uma espetacular heroína de ação, enquanto Nicholas Hoult também se destaca em um papel secundário, deixando pouco espaço para Tom Hardy e seu Max propriamente dito se apresentarem.

Tecnicamente perfeito e louco do início ao fim, Mad Max: Estrada da Fúria é um épico violento e intenso em que tudo funciona com tamanha harmonia que é difícil de acreditar que sua matéria-prima seja o puro caos. Uma orgia de adrenalina surtada, cheia de sequências de ação visionárias, Estrada da Fúria não consegue esconder algumas falhas, mas sem dúvidas as compensa com um espetáculo - em todos os sentidos da palavra. Um verdadeiro acontecimento cinematográfico.

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