[Crítica] Mapas Para as Estrelas
" Agora o mundo inteiro saberá que cometemos crimes. "
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É com esta frase, no terceiro ato de Mapas Para as Estrelas, que a personagem de Olivia Williams sintetiza a temática principal deste complexo e complicado longa. Perverso e doentio, até mesmo para os fãs do cineasta David Cronenberg, Mapas Para as Estrelas é um filme de difícil apreciação e digestão - e é por isso que ficará marcado em seu público por um bom tempo.
Mapas Para as Estrelas conta a história de vários personagens cujas vidas se entrelaçam no coração de Hollywood. Havana Segrand (Julianne Moore) é uma famosa, mas decadente, atriz buscando um papel na refilmagem do longa que lançou a carreira de sua mãe; decidida a ter uma nova assistente, ela contrata Aghata Weiss (Mia Wasikowska), uma misteriosa jovem marcada por um incêndio que quase tomou sua vida. Por sua vez, Aghata faz amizade com Jerome Fontana (Robert Pattinson), um motorista que sonha em ser ator. Já Benjie Weiss (Evan Bird) é um adorado ator mirim de apenas 13 anos que acabou de superar a dependência química; seus pais, o guru Sttaford Weiss (John Cusack) e a empresária Cristina Weiss (Williams), ao mesmo tempo em que procuram proteger a carreira do filho, tentam mantê-lo isolado de um terrível passado. Desconfiados de que sua filha mais velha possa estar de volta à cidade, eles temem que suas frágeis vidas perfeitas possam estar à beira de um colapso.
Mapas é a terceira obra satírica sobre a indústria cinematográfica a estrear nesta temporada, encarando a difícil missão de concorrer com Acima das Nuvens, de Olivier Assayas, e o vencedor do Oscar de Melhor Filme, Birdman. O primeiro trata-se de um profundo e reflexivo drama psicológico e, nas palavras de Úrsula Passos, "quase uma ode a Bergman", com elementos típicos de um chamber film e um intenso mergulho na psique feminina; já Birdman volta-se para o deboche, ilustrando um mordaz retrato de Hollywood. Em Mapas Para as Estrelas, Cronenberg se diferencia pela perversão e acidez extremas e, em determinados momentos, inacreditáveis. A crueldade guia este longa do início ao fim, com tanta intensidade que às vezes se torna difícil de suportar.
Os personagens que habitam Mapas são icônicos desde já. O que dizer de Havana, uma das mais engraçadas e repulsivas personagens do ano, quiçá da década? Julianne Moore entrega uma performance superior até mesmo àquela que lhe rendeu o Oscar, merecidamente abocanhando o prêmio de Melhor Atriz do Festival de Cannes de 2014, e demonstra uma construção psicológica das mais impressionantes para sua atriz decadente; é como se Moore entendesse a acidez de Cronenberg e se entregasse a ela, quase servindo como um canal para chocar o espectador - e que canal! Williams, Cusack e Wasikowska também estão especialmente interessantes em seus papéis, enquanto Pattinson demonstra o quanto vem crescendo como ator pós-Saga Crepúsculo; o ponto fraco do elenco reserva-se a Evan Bird, que entrega um trabalho dolorosamente superficial e inexpressivo como o arrogante Benjie Weiss.
Devemos reconhecer que grande parte do sucesso de Mapas se deve ao (majoritariamente) ótimo elenco, mas também ao trabalho conjunto de Cronenberg na direção e Bruce Wagner, responsável pelo roteiro, por garantirem, com ousadia, a ferocidade e depravação necessárias para cutucar as mais profundas feridas que o próprio filme se responsabiliza por abrir - e, no processo, criar personalidades marcantes e psicologicamente intensas. A força do argumento e a típica direção "cronenberguiana", cheia de planos estáticos e travellings cirurgicamente planejados, em comunhão a um interessante trabalho da sonoplastia, com seus graves e cortes abruptos, constroem um clima soturno e claustrofóbico que sufocam o espectador desde a primeira cena, transformando Mapas Para as Estrelas em uma experiência excruciante e glamorosa de maneira quase masoquista.
A Hollywood de Cronenberg é um frágil mundo de falsidades e representações, do qual se extrai ao máximo situações em que predomina o humor negro e a ironia extrema, ou, mais assustador ainda, uma carga dramática de tensão inabalável. Mexendo com assuntos fortes e desagradáveis, em Mapas Para as Estrelas, Cronenberg parece determinado a afrontar toda a moral da indústria, quase como se esfregasse escandalosas calúnias em sua cara. Talvez, por isto, enfrente problemas de inconstância tonal ao tentar equilibrar o humor do núcleo de Havana com uma espécie de rendição cronenberguiana ao melodrama novelesco na trama da família Weiss - melodrama este que, nas mãos de um sádico num trabalho satírico, não poderia ser nada menos que uma paródia debochada e até mesmo agressiva ao gênero. Tal inconsistência pode vir a incomodar certos espectadores, mas que, para aqueles que se impressionaram com a podridão típica (mas especialmente acentuada neste caso) de Cronenberg, passará como uma questão menor.
Essencialmente cruel, frequentemente insuportável (no melhor dos sentidos) e repulsivo do início ao fim, Mapas Para as Estrelas é um belíssimo (se é que esta palavra pode ser utilizada) exemplo de depravação. Ao mostrar uma Hollywood povoada pelo narcisismo e pela barbárie, David Cronenberg decola e cria uma de suas mais extremas e cáusticas histórias.