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[Crítica] A História da Eternidade

O que nos salva da secura e da aridez?


O que nos salva da secura e da aridez?

É essa a pergunta levantada por A História da Eternidade, filme premiado no Festival de Paulínia, ao longo de suas duas horas de duração. Contra a paisagem desolada do sertão nordestino, o longa de estreia de Camilo Cavalcante é um grito sobre e para o amor e a poesia, e é difícil não sair encantado desta experiência.

A História da Eternidade narra três histórias de amor ambientadas num pequeno vilarejo do sertão. Alfonsina (Débora Ingrid) está prestes a completar 15 anos e sonha em ver o mar, ao mesmo tempo que se encanta cada vez pelo mundo de seu tio (Irandhir Santos), artista, e se afasta do rígido pai (Cláudio Jaborandy). Querência (Marcelia Cartaxo) acaba de perder um filho. Das Dores (Zezita Matos), já no fim da vida, recebe a visita de seu misterioso neto paulista. Três vizinhas, em momentos tão diferentes de suas vidas, descobrem (ou redescobrem) o amor de formas igualmente diferentes. 

A História da Eternidade não é um filme que se contenta com lugares comuns e tramas das quais já cansamos de ouvir falar, e, por isto, pode ser tanto marcante quanto desagradável em tratar de certos temas por si só já desagradáveis. Porém, o que poderia ser incômodo é transformado em beleza pelo olhar doce e trágico do diretor Camilo Cavalcante. O amor nem sempre vem acompanhado de romance; Cavalcante entende isto, e nos presenteia com dramas pessoais, familiares, sonhos e desejos diversos que nos tiram de nossa zona de conforto - e, surpreendentemente, encantam na mesma medida que nos desafiam.

E, mesmo que toda a carga emocional do filme fosse o suficiente para valer um ingresso para a sessão, ainda somos agraciados com uma rara maestria técnica, que só faz crescer a beleza e sensibilidade do longa. A própria concepção da trama é perfeita em abordar três protagonistas de idades (e, portanto, visões e anseios) tão diferentes, abordando seu tema desde o coming-of-age até a parábola de envelhecimento. É interessante também perceber como o filme, mesmo dedicado a contar três histórias que raramente se conectam a não ser tematicamente, procura construir detalhes e nuances que as aprofundam, juntamente com seus personagens secundários, de maneira sublime, fugindo da obviedade, mas também garantindo um panorama rico de cada uma das três realidades abordadas. A sensibilidade do roteiro se equipara à intensa construção visual: o sertão é belamente fotografado por Beto Martins, capturando as cores quentes e a pobreza do ambiente, sem negar, entretanto, sua beleza trágica. Outro destaque vai para a divisão estrutural do filme, em três capítulos bem delimitados que correspondem aos três atos. Mesmo um tanto desnecessária, tal divisão demarca bem a construção e evolução temática do filme, separando seus capítulos de acordo com o momento em que suas personagens se encontram. 

A direção de Cavalcante também é extasiante, com seus planos tão firmes e rígidos quanto os de uma fotografia, rigidez esta rompida apenas pelos raros travellings, que destacam o encantamento e a imersão emocional de Alfonsina no mundo artístico de seu tio, e por uma única sequência em que a câmera de mão é utilizada, indicando o clímax do filme, também sob o ponto de vista de Alfonsina - cuja inocência e emoção explosivas, sem dúvidas, são fontes de tais abalos. É importante notar também o papel exercido pela música na história; a sanfona de Aderaldo (Leonardo França) rende alguns dos momentos mais emocionantes do filme, mas a beleza maior é reservada à performance de Irandhir Santos, dublando "Fala" da banda Secos e Molhados - um dos poucos momentos em que as três protagonistas se voltam na mesma direção, e reconhecem: contra a secura e a aridez do sertão, é preciso falar, e não só por falar. Como fazer algo brotar onde nada brota? Fala!

Mais uma pérola do cinema pernambucano (sem dúvidas, o mais criativo polo de produção nacional da sétima arte), com atuações incríveis das protagonistas Marcelia Cartaxo, Zezita Matos e Débora Ingrid (uma revelação) - todas as três premiadas como melhores atrizes do VI Festival de Paulínia -, e também do elenco secundário, dando destaque especial às já esperadas incríveis performances de Cláudio Jaborandy e Irandhir Santos (este último também premiado), A História da Eternidade mostra mais uma vez que é possível fazer poesia em forma de cinema. A eternidade é amor, e sua história é um conto sobre paixão, dor, e, por fim, saudade.

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