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[Crítica] O Jogo da Imitação

Por um bem maior.


Por um bem maior.

Filmes biográficos costumam me incomodar, pois quase nunca o roteiro consegue fugir da boa e velha romantizada em um ou outro ponto da história. Logo, o trunfo desse O Jogo da Imitação encontra-se justo na fuga imediata desta armadilha. Transformar a vida do matemático Alan Turing num empolgante thriller histórico não só dispensa o lugar comum, já mencionado, como também abre mão do melodrama que poderia ser tomado como mote principal da produção. Afinal, Turing carrega nas costas o peso do herói trágico por ter nascido numa época onde a intolerância, não por acaso, era a bandeira da maior de todas as guerras.

O que o diretor Morten Tyldum executa, com maestria, é uma aparentemente simples história de origem: a criação da máquina desencriptadora batizada de "Christopher", que foi determinante para a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Alan Turing (o querido Benedict Cumberbatch) junto de um seleto grupo de code breakers passaram meses trabalhando anonimamente no campo de Bletchley Park, para encontrar um modo de decifrar o código por detrás da Enigma, o encriptador inimigo, interceptando assim a comunicação entre as frotas navais alemãs.

Se valendo da montagem primorosa de William Goldenberg, que torna a não linearidade da história num elemento essencial para simpatizarmos com Turing - o que não é muito difícil, graças a expressão de Cumberbatch -, o filme também encontra na mão de Tyldum um belíssimo exemplo de diretor que, mesmo sem malabarismos, consegue criar planos e sequências dignos de nota e que só acrescentam a atmosfera do filme. O raccord entre um míssil atingindo uma embarcação britânica e um cigarro sendo apagado no cinzeiro de um determinado personagem, por exemplo, não soa como estilismo barato e encanta pela beleza irônica visto que surge num momento onde, mais uma vez, o grupo de Bletchley Park se encontra longe de achar a chave da Enigma.

Comovente ao tratar a homossexualidade de Turing como um problema que só existe por conta do preconceito da época, o roteiro de Graham Moore nunca enfraquece o protagonista em detrimento da sua opção sexual. E se na época da construção da máquina o matemático chega a noivar com a melhor amiga e companheira de trabalho, Joan Clarke (Keira Knightley), não é por se sentir confuso quanto a sua sexualidade, mas sim para não perder a única pessoa em quem ele confia. Portanto, quando mais pra frente decide se abrir com Joan - aqui, Cumberbatch e Knightley justificando seus respectivos postos na temporada ouro - é impossível não querer abraçá-los tamanha a cumplicidade na reação de ambos.

Fotografado em três tons por Óscar Faura, que opta por representar cada uma das três épocas da vida de Turing com paletas diferentes, fica fácil, mas não menos engrandecedor, perceber em qual momento da vida do matemático estamos sem precisar dos letreiros com datas - percebam que estes só aparecem quando o ano de uma mesma época muda. É também com o mesmo preciosismo técnico que a música sempre evocativa do excelente Alexandre Desplat pontua as conquistas de Turing e sua penosa queda no futuro.

Assumindo-se como um conto de heróis anônimos, que mesmo as margens do convencional nunca deixa de surpreender, O Jogo da Imitação é tão forte e doce quanto o seu protagonista. Assim, por se mostrar mais humano e menos factual que a maioria das biografias, consegue reproduzir a marca e o valor inestimável do trabalho de Alan Turing para o nosso mundo. 

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