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[Crítica] Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

A beleza do esquecimento.


A beleza do esquecimento.

Falar do cinema de Alejandro González Iñárritu é tentar escrever sobre o 'fazer Cinema' com amor e com uma devoção comparável ao legado de mestres como Martin Scorsese. Se na sua estreia (Amores Brutos) Iñárritu embasbacou o mundo com o primeiro filme da Trilogia da Morte, o que se seguiu a partir dali foi um inquestionável apreço pelo difícil e pela dor de existir. Quando li a primeira vez sobre Birdman, o filme parecia gritar Iñárritu em cada frase da sinopse, mas mesmo assim me causou estranheza pela peculiaridade do tema em si. Humor negro não é para qualquer um, e errar o tom num conto sobre depressão esquizofrênica - sim, é com ela que a história dialoga - sabotaria o longa facilmente.

No entanto, a história de Riggan Thomson (Michael Keaton), um outrora famoso ator de Hollywood marcado por um papel de sucesso num filme de super-heróis (o Birdman do título) que quer desesperadamente sentir a devoção do público, nem precisava temer a auto-sabotagem. A metalinguagem do roteiro dita toda uma tocante narrativa que traz um velho teatro da Broadway como parte do sonho de ascensão de Riggan. Dirigindo, roteirizando e atuando numa adaptação do conto What We Talk About When We Talk About Love de Raymond Carver, o ator tem a certeza de que conseguirá retomar a glória do passado e, com isto, se aproximar verdadeiramente da filha Sam (Emma Stone), uma viciada em recuperação.

Iñárritu e os roteiristas Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris e Armando Bo tornam Birdman numa verdadeira ode ao existencialismo inerente àquela parte das nossas ações que sempre são veladas pelo desejo de reconhecimento. E qual profissão mais propícia para essa análise que não a do ator? Desenhando personagens que, mesmo soando caricaturais - o crítico (Lindsay Duncan), a nova estrela (Edward Norton) -, são cruéis por existirem tal qual são encarnados; o roteiro surge também com diversas gags que se mostram maduras e necessárias para traduzir Riggan e o seu universo.

E quando falo em tradução, é o preciosismo por detrás da direção de Iñárritu, o responsável por tornar o plano-sequência emulado com perfeição durante as quase duas horas de filme, na verdadeira estrela de Birdman. São elipses magistrais ou movimentos de câmera que arrepiam pela beleza quase naturalista que conseguem captar. A fotografia de Emmanuel Lubezki também desempenha um papel importantíssimo no que é mostrado em tela, e sequências como a da caminhada de Riggan pela manhã de Nova York, desponta como uma emblemática assinatura do mexicano.

A escolha de Keaton para dar vida ao personagem principal não só transforma a experiência que é ver Birdman num já mencionado exercício metalinguístico, como também confere à produção uma autenticidade perturbadora. O olhar do ator comove e desconcerta, sendo sua presença quase uma asa sob o elenco - que têm, além de Norton, nomes como Naomi Watts, o que facilmente desviaria nossa atenção. E talvez seja por ser a única que consegue se contrapor à força de Keaton em cena, que Emma Stone divida o momento mais emocionante do filme ao discursar como Sam sobre como o seu pai é cego pela sua própria noção de realidade.

Romantizando o problema psicológico de Riggan, não como uma escolha covarde, mas sim como uma bem-vinda abordagem metafísica, Birdman continua sendo um Alejandro González Iñárritu que vai ao coração dos nossos temores mais universais. Aqui a obsessão de um ator em ser um ídolo, que poderia muito bem ser você tentando apenas tornar-se alguém.

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