[Crítica] De Volta ao Jogo
" Ele é o cara que você manda para matar o bicho-papão. "
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"Ele é o cara que você manda para matar o bicho-papão."
Olhar de longe para De Volta ao Jogo não te oferecerá nada além do panorama de mais um genérico de ação que chega em meia dúzia de cinemas para logo ser esquecido. Não que a produção vá muito além disto ou seja um grande título, mas merece destaque por sua capacidade de criar um protagonista interessante e consolidar-se como um entretenimento de ação com algumas qualidades.
A produção revela-se, desde o início, como inteiramente focada em John Wick (Keanu Reeves) - que, não por acaso, dá originalmente o título a esta -, notadamente num momento melancólico em sua vida, após a morte de sua esposa. Desta forma, desde as primeiras sequências o longa apresenta-o como um homem calado, frio e objetivo, mesmo em seus pequenos atos. É importante que esta construção aconteça desde os momentos iniciais, para indicar a postura com que aquele homem lidará posteriormente com as situações de violência nas quais se envolverá.
Como um último presente de sua esposa, Wick ganha um cachorro, que, juntamente de seu carro, torna-se a última coisa pela qual ainda tece afeto emocional. O animal de estimação torna-se essencial para a contextualização do espectador ao momento vivido pelo protagonista, de extrema sensibilidade, por trás daquela aparência carrancuda da qual já sabemos a origem por alguns detalhes expostos - o sujeito teve um passado cheio de ação. A mescla entre estas características é justamente o que torna-o um item explosivo: basta que alguém mexa com ele para provocá-lo de maneira provavelmente irreversível. E é justamente o que um jovem mimado e criminoso - Iosef Tarasov (Alfie Allen) - faz, junto de alguns colegas, ao invadir sua casa, agredi-lo, matar seu cãozinho e roubar seu carro. Brincaram com fogo.
Wick, antes buscando manter-se numa rotina pacífica, agora é levado de volta à ação pelas circunstâncias. Neste momento, desenvolve-se uma tradicional trama de vingança, em que o protagonista torna-se o exército de um homem só - enfrentando um verdadeiro exército, uma vez que o jovem de quem se vingará é filho do chefe de uma importante instituição mafiosa russa (para a qual John Wick, inclusive, já prestou serviços), e terá o patriarca tomando suas dores -, armado pela sede de vingar-se e por notáveis habilidades para matar, tudo isso sob lentes escuras e ruídos eletrônicos. É um enredo absolutamente simplista, porém há de ser notado que boa parte dos mais interessantes títulos recentes do gênero - e, diga-se, até mesmo alguns dos clássicos - seguem este esquema - um homem, um motivo, uma vingança -, não havendo necessidade de um argumento complexo para garantir uma boa sessão.
Para assegurar o cumprimento deste objetivo, trabalham com suas habilidades os diretores Chad Stahelski e David Leitch, ao aproveitarem-se das lentes escuras para construírem um ambiente sombrio, porém não deixando, em momento algum, o espectador geograficamente perdido durante as sequências de ação. É especialmente digna de destaque a sequência passada numa boate, onde o longa aproveita-se da sonoplastia local - a intensidade alta da música eletrônica toma os ouvidos do protagonista e também os do espectador, aumentando o sentimento de urgência -, unindo forças com a fotografia que, neste momento, torna a escuridão mais natural ao equilibrá-la com a iluminação neon do cenário - neste momento, acrescentando à obra um estilo quase neonoir -, e uma montagem ágil, que realiza uma série de cortes para acompanhar a circulação discreta - e ultraviolenta - do protagonista por diversos cenários na mesma localização, enquanto derrota uma série de seguranças.
Notadamente funcional em seu trabalho de condução narrativa, a produção reserva suas falhas para o texto de Derek Kolstad, responsável pela construção de uma série de situações pouco coerentes - como acreditar que Iosef, dono de importância numa instituição criminosa, agiria de maneira tão infantil? Qual fator explica as constantes mudanças no comportamento de Viggo (Michael Nyqvist, aparentemente divertindo-se muito no papel) durante a trama? -, e que comete uma falha séria na contextualização da situação que motiva a vingança - tudo o que a antecede acontece muito rápido, ela não toma o peso necessário e prejudica toda a construção da motivação do anti-herói -, além de não haver necessidade para, por exemplo, a sub-trama confusa envolvendo a assassina paga Ms.Perkins (Adrianne Palicki). O principal erro do roteirista, no entanto, é investir na expansão da ação que, embora funcione tão bem na fita, é levada ao exagero no terceiro ato, quando um "confronto final" acontece por mais de uma vez - o confronto com Iosef antecede aquele com Viggo, que ainda viria a ser sucedido por uma última luta pela sobrevivência de Wick -, tornando o desfecho final uma experiência anticlimática e até um pouco arrastada - destoando do clima ágil de toda a projeção -, apesar de ainda divertida.
Ainda assim, o argumento acerta em toda a construção do personagem principal que, afinal de contas, é o principal foco deste. É impossível gerar empolgação legítima pelas sequências de ação sem que haja uma identificação com aquele que as enfrentará. A mitologia criada por trás de John Wick desde o primeiro ato é extremamente divertida.
- "Certo, ele roubou um carro, mas qual é o problema?", diz Viggo.
- "O carro que ele roubou era de John Wick.", responde Aurelio (John Leguizamo), deixando o mafioso sem reação.
Esta criação de mitologia é uma decisão arriscada do roteiro, que poderia tornar, como ocorreu no recente O Protetor - longa eficiente, mas no qual esta característica foi bastante prejudicial -, o personagem muito inverossímil, sem qualquer vulnerabilidade e, logo, também criar uma barreira entre o protagonista e este. Em De Volta ao Jogo, no entanto, esta parece não ser levada tão a sério, tornando-se até mesmo uma desmistificação deste esquema do gênero - há diversos diálogos neste sentido funcional como gags cômicas -, e mesmo assim, as situações criadas são mais verossímeis, e Keanu Reeves consegue construir o protagonista de maneira mais vulnerável - a negação da situação, os ferimentos mais constantes e o visível abalo emocional -, tornando a narrativa consequentemente mais funcional.
O grande proveito provocado por De Volta ao Jogo localiza-se unicamente em acompanhar esta jornada de vingança, afinal, mas acompanhá-la ao lado de um personagem crível e funcional torna-a mais divertida. Mais interessante ainda, no entanto, é observar uma característica fundamental deste protagonista, e que, confesso, ainda não fui capaz de definir se distingue-o ou aproxima-o de tantas outras personagens do gênero: John Wick não foi apenas colocado nessas circunstâncias - ele precisava delas.