[Resenha] Morangos Mofados
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“Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica psicanálise drogas
acupuntura suicídio ioga dança natação cooper astrologia patins marxismo
candomblé boate gay ecologia, sobrou só esse nó no peito, agora o que faço?”
Morangos Mofados é considerada a obra mais importante da
carreira de Caio Fernando Abreu, e, mesmo não tendo tido contato (ainda!)
com o resto de sua bibliografia, não é difícil de perceber o por quê. A
angústia, a poesia e a solidão sangram de cada página e de cada conto, transformando
a leitura num ato extremamente pessoal e intimista.
Ler os contos de Morangos Mofados é penetrar na psique do
autor, e, em alguns momentos, se olhar no espelho através da alma de Caio Fernando.
Não é só de narrativas que Morangos é feito: vários contos são desabafos, cartas
abertas a quem quiser ler, retratando a dor e a saudade que volta e meia tomam
Caio, e então partem para nos tomar, também. A ideia de desencontro é constante
por estas páginas; existe um pulsar cansado - mas persistente - de solidão por trás
de cada palavra. É um livro sobre pessoas em busca de paz, tão próxima e tão
inalcançável ao mesmo tempo, e dos vários sentimentos que ficaram pelo caminho - sentimentos estes que existem somente para machucar, para despertar as mais profundas
saudades nos corações de seus leitores.
E é com precisão cirúrgica que Caio Fernando Abreu conduz
seu público. Em sua prosa, profunda e pavorosamente poética, Caio usa palavras como
sensações; a pontuação indica a falta de ar, a metralhadora de angústias que
fogem de nossas bocas entre respirações; a realidade transcrita é cheia de
detalhes, nenhum criado por acaso. O resultado final é uma atmosfera sufocante
e esmagadora, que o leitor encara prendendo o ar, com os braços cruzados sobre
o peito. A sensação de vazio e desmoronamento reduz mesmo o mais forte dos
leitores a um estado de catatonia emocional.
Comentar os contos individualmente não é interessante. Apesar
de não flertarem diretamente um com o outro, todos os textos carregam consigo
dores e questionamentos semelhantes, mas sempre genialmente abordados de maneira
diferente. Avaliá-los também não faz diferença. O que importa é encarar Morangos
Mofados como uma obra de arte, fina e aguda como uma agulha que penetra nossa
pele e nos atravessa fria e placidamente. A dor e a insegurança, contrapostas à
rebeldia da contracultura, à libertação e aos anseios das revoluções
setentistas, criam um belíssimo e asfixiante panorama da solidão humana na modernidade.
Nas palavras de John Lennon, como bem lembrando por Heloísa Buarque de Holanda
no prefácio da edição de 2005, “o sonho acabou”. E é sobre estes cacos que Caio
Fernando Abreu apoia o seu mundo - e, como percebemos ao fim da última
página, o nosso também.