[Crítica] A Família
https://siteloggado.blogspot.com/2013/09/critica-familia.html
Surpresa agradável, A Família
surgiu nos cinemas brasileiros sem muito alarde, apesar dos nomes envolvidos.
Aparentava ser um projeto paralelo para todos aqueles que estavam na produção, e
talvez isto tenha tornado-o ainda mais especial, tanto para os próprios tanto
para o pequeno público que deve conferi-lo.
A trama se inicia acompanhando
a chegada de uma família, tipicamente ítalo-americana, à uma nova casa,
localizada na Normandia, interior da França. No início, só o que podemos
concluir é isto, mas algumas intrigas são levantadas a partir de diálogos entre
a família, que cita por algumas vezes o fato de este ser apenas mais um lugar
entre os vários que já moraram e não por muito devem ficar. Pouco depois,
entenderemos que eles estão vivendo no local como parte do programa de proteção
a testemunhas, já que anos atrás tinham envolvimento com a máfia e foram os
responsáveis por delatar um importante gângster para a polícia. O problema é
que hábitos são difíceis de se mudar, e uma família que tem máfia em seus instintos
dificilmente conseguirá perdê-la.
Em primeiro lugar, é
necessário considerar que a produção não busca construir um filme sério de
gangsters, e quem busca isto certamente sofrerá uma decepção. Por isto mesmo,
soa como um projeto paralelo para quem está envolvido, e foi justamente o que
deu a aura da produção, que por não exigir tanto em termos dramáticos e sérios,
acabou deixando todos os atores e o diretor bastante à vontade para realizar o
trabalho. A Família brinca com o sub-gênero, brinca com questões históricas e
culturais, com suas personagens e com a violência. Mas não pense que é uma
comédia pura, pois o filme ainda reserva pitadas de tensão e dramaticidade
muito bem encaixadas, que elevam sua profundidade para muito além de uma
comédia despretensiosa, com a exploração de camadas que são o que o torna tão
surpreendente.
A relação entre a família
Blake - codinome que adotam para esta etapa do programa - torna-se conturbada
pela necessidade de manter o cinismo para suas relações exteriores. Para cada
nova cidade em que moram, eles tem que passar por uma longa adaptação cheia de
mentiras, já que não podem cogitar revelar a verdade de seu passado para
ninguém mais, por isto, é fácil se colocar no lugar deles e se identificar com
seus problemas. Desde os primeiros dias nesta nova cidade, todos já reconhecem
- como citado -, que não terão a oportunidade de passar muito tempo ali, mas
cada um seguirá seu dia. O problema é que a adaptação para cada um deles
torna-se mais difícil por esta loucura da situação em que vivem, e a questão
dos hábitos de uma família mafiosa se encaixa perfeitamente nisto, já que esta
realidade da família torna-os mais acostumados com a presença da violência para
resolver os seus problemas e crises. O filho, Warren (John D'Leo), inspira-se
no pai e organiza um sistema praticamente mafioso naturalmente em sua escola -
negociando de lições de casa até cigarros -, a filha, Belle (Dianna Agron),
resolve seus problemas com o assédio de garotos com a violência - no caso, uma
raquete -, enquanto a mãe, Maggie (Michelle Pfeiffer), resolve problemas que
qualquer dona de casa teria com, bem... fogo. O pai, Fred, ou Giovanni Manzoni
(Robert De Niro), parece ter se acostumado a controlar a raiva e levar sua
rotina da forma mais tradicional possível - para depois, vir a descontar num
encanador. Há uma brincadeira bastante sutil com a questão do Sonho Americano,
já que na família Blake reside a aparência de uma família tradicional
americana, mas quando nos aprofundamos mais em seus costumes, conhecemos
pessoas que ignoram grande parte dos princípios morais e são adeptas do
cinismo, e ainda por cima temos adolescentes que estão bem longe de terem os
sonhos e objetivos típicos de jovens estereotipados americanos.
O humor gerado justamente com
a questão da chegada dos americanos não para por aí, uma vez que esta também
gera uma referência histórica, pois a Normandia também representou, durante a
Segunda Guerra Mundial, o palco para a chegada dos americanos para derrotar os
nazistas que mantinham-se no território francês. Com isto, a visão que os
habitantes da região têm dos americanos tem uma linhagem quase heroica - o que
justifica o fato de uma festa na casa dos Blake ter atraído a vizinhança como
um grande evento -, e ver esta família americana deturpando sua visão do país é
mais um aspecto interessante do filme. Mas o que explora a nuance mais
interessante de A Família também é responsável por gerar um humor negro na
produção: a tamanha naturalidade com que as personagens principais lidam com a
violência para resolver qualquer pequeno problema. Além de gerar os momentos
mais divertidos do filme - em especial, os acessos de raiva que povoam os
pensamentos, e por algumas vezes a realidade, do pai da família -, este ponto é
capaz de atingir uma camada de estudo interessante sobre o comportamento
humano, em sua necessidade dos instintos mais naturais, a violência, que é
explorado da forma mais cotidiana possível.
Embora seja hábil e
inteligente ao abranger todas estas questões, e especialmente em não subestimar
seu espectador - não utiliza, por exemplo, a bobeira de uma narração em off
explicativa para narrar o passado dos protagonistas, algo que é mostrado conforme o desenvolvimento; e também não torna expositiva a abordagem da
questão histórica - o roteiro de Luc Besson e Michael Caleo não está
completamente livre de falhas, que variam desde algumas mais simples como o
esquecimento de uma sub-trama relacionada aos problemas que Warren está tendo
na escola ou outras gritantes como a conveniência que leva os mafiosos a
descobrirem a localização da família Manzoni (o nome apropriado, no caso) -
pois muita suspensão de descrença é necessária para aceitar de bom grado que
uma piada em inglês escrita por Warren no jornal da escola fosse alcançar a
prisão americana onde o gângster está preso e levá-lo a se lembrar que ele fora
responsável por contá-la, anos atrás, numa reunião onde a família esteve
presente -, algo que, por sorte, consegue ser revelado por uma boa execução da
ação do confronto que envolve estes mafiosos e os protagonistas no terceiro
ato, quando eles chegam à Normandia.
A fotografia é bastante eficiente ao evocar as cores de clássicos filmes de máfia e ainda representar competentemente os contrastes entre a casa dos Blake e os outros locais da cidade - com a utilização das cores escuras dentro da casa para ilustrar a tensão ali passada e o contraste entre seu ambiente e o exterior da cidade, em cores mais claras. O trabalho de Luc Besson, no entanto, atinge a regularidade dentro da proposta descontraída do projeto, logo, nem compromete - realizando um trabalho eficaz na variação entre o bom-humor e a tensão -, nem almeja maiores pretensões - o diretor não efetua planos muito ousados e ainda dispensa o bem-vindo uso de um contra-plongée na sequência que mostra a chegada dos gangsters à cidade.
A fotografia é bastante eficiente ao evocar as cores de clássicos filmes de máfia e ainda representar competentemente os contrastes entre a casa dos Blake e os outros locais da cidade - com a utilização das cores escuras dentro da casa para ilustrar a tensão ali passada e o contraste entre seu ambiente e o exterior da cidade, em cores mais claras. O trabalho de Luc Besson, no entanto, atinge a regularidade dentro da proposta descontraída do projeto, logo, nem compromete - realizando um trabalho eficaz na variação entre o bom-humor e a tensão -, nem almeja maiores pretensões - o diretor não efetua planos muito ousados e ainda dispensa o bem-vindo uso de um contra-plongée na sequência que mostra a chegada dos gangsters à cidade.
As atuações individuais
parecem compreender perfeitamente a proposta de cada personagem que
interpretam, já os de A Família, embora tenham um
aprofundamento dramático particular, também representam as brincadeiras que o
longa faz com estereótipos do Cinema, em especial no personagem de Robert De
Niro, que apresenta-se muito à vontade vivendo a caricatura da persona do
mafioso que muitas vezes viveu na sétima Arte - como é bom e cada vez mais raro
ver o ator numa boa performance -, na interessante Maggie Blake de Michelle
Pfeiffer numa interpretação que, por algum motivo, me remeteu àquela outra mãe
de uma família extravagante vivida pela atriz em Sombras da Noite. Enquanto
isto, Tommy Lee Jones ganha a cena com mais um policial mal-humorado quando
interage com De Niro durante o debate cinematográfico em que sua raiva contida
contrasta divertidamente com o comportamento do personagem principal que parece
finalmente estar se soltando - e botando tudo a perder -, e os adolescentes
vividos por Dianna Agron e John D'Leo ganham seus merecidos momentos de
destaque na trama. Todos realmente parecem muito à vontade em cena.
É interessante como podemos
traçar um paralelo entre a família do título e a água da torneira de sua casa
que insiste em se manter marrom, já que quando esta torna-se finalmente
cristalina - e eles finalmente se adaptam -, será novamente abandonada - e para
uma nova cidade, os Blake (que ainda se despirão do sobrenome) partirão. Para
onde aqueles quatro estariam indo na viagem que encerra a fita? Provavelmente,
para uma nova experiência de adaptação. E nos resta esperar que, desta vez,
eles tenham mais tempo para utilizar sua água cristalina.