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[Fora de Cena] Que Horas Ela Volta?


"Quando eles oferecem alguma coisa deles, é por educação;
eles sabem que vamos dizer ‘não’."

Além do título, que por si só já possui uma carga e tanto de significado no que diz respeito à forma como as relações no nosso país cismam em se arrastar, a frase acima, falada por Val (Regina Casé), chama atenção não apenas por seu conteúdo, mas também pela maneira como foi dita. Ao dizer isso para sua filha Jéssica (Camila Márdila), Val não demonstra nenhum tipo de ressentimento, tampouco raiva. Para ela, essa divisão é perfeitamente normal. Há anos é assim e ela sabe que não vai mudar. Muito mais do que “saber qual é o seu lugar”, Val está satisfeita e conformada com ele, assim como seus patrões também enxergam a situação com naturalidade, tratando a mulher que criou seu filho, que come depois deles na mesa separada e que dorme no quartinho dos fundos da casa, como – quase – da família.

Que Horas Ela Volta? nos conta uma história que retrata fatos da nossa sociedade. Val é a empregada de uma família de classe alta do Morumbi, mora e trabalha na casa há mais de dez anos, quando foi para São Paulo em busca de uma vida melhor. Dizer que esse é um tema desgastado não seria verdade, pois os desdobramentos desses acontecimentos estão presentes no dia a dia de muitos ainda hoje. A contradição de, para dar uma vida melhor para a própria filha, ter que viver longe da mesma e criar o filho de outra pessoa é um drama vivido por muitas brasileiras.

A calmaria dá lugar a um mar agitado quando Jéssica decide prestar vestibular em São Paulo e, para isso, tem que ficar hospedada na casa dos patrões de Val. Quebrando o estereótipo de “pobre filha abandonada”, Jéssica se mostra uma moça de personalidade forte e decidida, que não consegue aceitar o conformismo da mãe, muito menos que ela própria seja tratada da mesma forma. O papel de Jéssica é muito importante, pois ela coloca em questão todas essas situações que com o tempo foram naturalizadas. E é muito complicado tratar desses assuntos, pois ao passo que não nutrimos nenhuma simpatia pela “dona” Barbara (Karine Teles), ela tem razão ao afirmar que ainda está em sua casa e as coisas devem ser feitas da maneira dela. O ponto então seria: por que ela mesma não faz?

Qualquer opinião dada de um ponto de vista que vem de fora não é suficientemente verdadeira. E quando se está pessoalmente envolvido em uma situação como essa tende-se a defender o lado de sua classe social, simplesmente porque essa é a única realidade que a pessoa conhece. Os patrões de Val a tratam bem e acreditam que possuem o melhor relacionamento possível com ela, que as coisas estão caminhando da maneira correta. Ao mesmo tempo que Regina Casé consegue, com simplicidade, unir drama e comédia, há uma crítica muito grande às classes nesse filme, um grito abafado de uma parcela da população que reclama seus direitos. Jéssica é produto dessa nova realidade, de um novo projeto de governo que proporcionou uma abertura no campo da educação que não existia há alguns anos. Defender governos não é o objetivo do filme, muito menos do presente texto, mas essa questão é mencionada na fala cheia de ironia da patroa quando ouviu que a filha de Val prestaria vestibular para Arquitetura: “O país está mudando”.

Fora de cena com certeza esse filme não está e deve ser visto não apenas para celebrar a qualidade do cinema brasileiro, mas também para problematizar questões tão importantes que são, muitas vezes, varridas para debaixo do tapete.
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