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[Resenha] Contos de Uma Fada: A Nascente das Montanhas


Uma das armadilhas da literatura comercial é sua ânsia por agradar, tamanha que acaba por castrar qualquer traço de inventividade incipiente. Numa alta global já há quase uma década, a produção YA enfrenta, talvez, como o maior de seus problemas, a recorrência a lugares comuns, quase como um mecanismo para oferecer uma leitura mais fácil a seu público, e, por mais que no cenário da fantasia nacional existam, sim, exemplares de destaque, Contos de Uma Fada: A Nascente das Montanhas, uma versão mais suave, menos trash e levemente superior de House Of Night, não é um deles.

Em Contos de Uma Fada, um julgamento aguarda por Michelle. Seu crime? Nascer. Michelle está prestes a ter sua vida virada de cabeça para baixo. Ela passa de uma simples garota carioca que gasta seu tempo livre com o namorado, Guilherme, para uma princesa de Lammertia, a terra das fadas. Descobrindo ser fruto da junção perigosa de elfos e fadas e que não deveria ter sobrevivido aos primeiros segundos de vida, Michelle parte para a Nascente das Montanhas com a ajuda de seus novos e mágicos cúmplices. Ela tem de convencer a todos do reino que pode continuar viva; e isso não será nada fácil. Tudo o que a nova princesa deseja é voltar para casa e para seu namorado. Mas antes terá de mudar o mundo das fadas para sempre. Será que ela vai conseguir?

O primeiro erro de Contos de Uma Fada é sua aparente falta de direção. Em nenhum momento a narrativa exibe uma trama central forte, uma linha de desenvolvimento a ser acompanhada, além das tentativas de Michelle de retornar para seu namorado – que, diga-se de passagem, desperdiçam a grande mitologia que Letícia Black inaugura ao longo de suas breves trezentas páginas. De fato, Black constrói um mundo interessantíssimo e instigante, mantendo seu leitor alerta e levemente interessado, mas em poucos momentos o desenvolve além de gags pontuais e dispensáveis, ou explicações curtas e extremamente didáticas que, ao atirar informações essenciais de qualquer jeito, exigem tanto do leitor que se torna fácil se perder na história. Todo o mundo composto por Black acaba sendo condenado a representar um mero detalhe, numa estratégia que provavelmente visa a introdução de tópicos importantes neste primeiro livro para uma dedicação maior à trama em possíveis continuações.

Não obstante, é preciso elogiar mais profundamente a criatividade de Black ao criar Lammertia. Ainda que conte com alguns clichês (a passagem secreta no Triângulo das Bermudas, por exemplo, é totalmente dispensável), a mitologia de Contos de Uma Fada é, sem dúvidas, o atrativo do livro, com ideias riquíssimas e não necessariamente previsíveis – apesar de contar com fortes traços problemáticos: a sociedade feminista e não-heteronormativa de Lammertia é tratada pela protagonista com uma estranheza que beira ao terror, além de um plot secundário potencialmente racista ao caracterizar suas figuras vilanescas como fadas negras, relacionando etnia à “escuridão”. Já o desenvolvimento da trama constitui o provável ponto baixo. A narrativa ágil, até demais, carece de charme, e os diálogos paupérrimos, sem dinâmica e premeditados, falham em estabelecer verossimilhança e uma conexão com o leitor. Da mesma forma, a conclusão, sem clímax, fecha a trama de maneira convenientemente aberta, pronta para uma continuação, apesar de não exigir uma. Por fim, os personagens pecam pela falta de naturalidade e acabam não fugindo ao clichê: temos uma protagonista temperamental, mas sensível, uma nerd tímida, uma amiga animada, uma colega séria e distante, uma mascote curiosa, etc. Mergulhados em clichês, a gangue de personagens primários sofre com um fraquíssimo desenvolvimento psicológico, de forma que em momento algum eles deixam de ser caricaturas para se tornar pessoas palpáveis; alguns sequer ganham um espaço digno, aparecendo em pouquíssimas cenas.

Feito na medida para agradar, Contos de Uma Fada conta com uma ideia interessante pobremente executada. A extensa mitologia esmorece nas mãos de uma narrativa fraca e formulática e de personagens sem carisma. Um blockbuster anunciado e assumido, talvez, a potencial saga se recupere em suas continuações, que podem evoluir com o amadurecimento de Black como autora; até lá, porém, este primeiro volume será lembrado como um exemplo genérico e dispensável de literatura YA, facilmente esquecível.

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