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[Crítica] Divertida Mente


Poucos estúdios, de animação ou não, podem se gabar de uma carreira tão eficaz quanto a da Pixar. Desde seu primeiro longa, há vinte anos, foram inúmeros prêmios que jamais poderiam ilustrar a inventividade e o impacto de seus filmes. Eis que surge um período de produções menos relevantes, mais dispensáveis e uma menor expressividade daquele que antes era o carro-chefe do gênero. É bom anunciar que este período, brevíssimo, chegou ao fim - ao menos se depender de Divertida Mente, a melhor animação da Pixar em anos e sem dúvidas uma das melhores (e mais importantes) de sua filmografia.

Em Divertida Mente, conhecemos Riley, uma garota de onze anos descobrindo o que é crescer. Ela é retirada de sua vida no meio-oeste americano quando seu pai arruma um novo emprego em São Francisco. Mas Riley não é a absoluta protagonista desta história: como todos nós, ela é guiada pelas emoções - Alegria, Tristeza, Raiva, Nojinho e Medo. As emoções vivem no centro de controle dentro da mente de Riley, onde a ajudam com conselhos em sua vida cotidiana. Conforme Riley e suas emoções se esforçam para se adaptar à nova vida em São Francisco, começa uma agitação no centro de controle. Embora Alegria, a principal e mais importante emoção de Riley, tente se manter positiva, as emoções entram em conflito sobre qual a melhor maneira de viver em uma nova cidade, casa e escola.

Desde do belíssimo curta de abertura, típico de um filme da Pixar, Lava - com seus planos aéreos, seu esplendor visual, sua sensibilidade e sua inocência de fazer chorar e rir ao mesmo tempo, por si só merecendo cinco estrelas -, sabemos que estamos diante de uma experiência diferente. Inside Out, no original, é provavelmente o filme mais complexo e mais ambicioso da história do estúdio, tanto ideológica quanto visualmente, marcando o retorno da criatividade linda há anos perdida em suas produções. Sua dinâmica inédita e frenética é de um êxtase irrepreensível, demonstrando aquela saudosa habilidade em divertir crianças e maravilhar intensamente adultos. A direção de Pete Docter sem dúvidas é necessária para a composição desta aura de deslumbramento, presente em quase cada segundo da narrativa, mas devemos atentar especialmente às cores vibrantes da animação, ao humor marcante, ao roteiro e a delicadeza e doçura de seu desenvolvimento. 

E não podemos nos esquecer também de sua inventividade milagrosa que habita literalmente cada quadro, seja na composição do lindíssimo visual, seja no argumento e nas gags fortemente metafóricas que ilustram com bastante poesia o passar do tempo e da infância sob a ótica das emoções de Riley. Até mesmo a brincadeira nos créditos finais, também típica da Pixar, é absolutamente genial; e, em determinado momento do clímax, Docter demonstra grande domínio à construção da misé-en-scène, ao simular o tremer da câmera em apenas dois quadros em que o movimento se faz necessário, aproximando-se ao cinema live-action e pondo em questão os limites da animação, ainda que brevemente. Além disso, é assombroso notar o cuidado com que o longa desenvolve meticulosamente cada detalhe de modo a compor um panorama generoso sobre a personalidade de cada um de seus personagens, humanos ou não, que tornam as leves descontinuidades e os breves furos no roteiro completamente perdoáveis. É de uma beleza ímpar ver todas as emoções de Riley, após uma discussão acalorada entre si, cederem todas ao amor dos pais; ou notar, na psique amadurecida dos adultos, como uma emoção em particular toma posse e molda todas as outras - a tristeza resignada da mãe, transformada em melancolia, ou a raiva contida do pai, convertida em frustração. Passando por uma Hollywood produtora de sonhos até uma indispensável abordagem ao subconsciente freudiano, a mente humana em Divertida Mente é um lugar colorido e delirantemente apaixonado, contaminado pelo júbilo puro até nos momentos mais sombrios. 

Porém, acima de tudo, Divertida Mente é um coming of age comovente e melancólico, recorrendo a um olhar detalhado para a psique humana para pautar sua narrativa, trazendo um profundo entendimento do que é ser criança e amadurecer, em toda sua glória e sua tragédia. Afinal, quem não consegue se ver na tela nas situações mais banais, como um sorvete "congelando o cérebro" ou um tropeço num fio de telefone? Já na sequência de abertura, Inside Out consegue nos lembrar a alegria de ser criança, garantindo um incessante sorriso do início ao fim, sem jamais esquecer do impacto emocional e maduro que faz uma obra da Pixar reverberar entre tantas outras animações genéricas. Não consigo lembrar a última vez em que eu, coração de pedra, chorei no cinema; entretanto, Divertida Mente conseguiu me levar à ponta da poltrona diversas vezes e, por fim, arrancar as lágrimas que de maneira alguma foram doloridas ou desconfortáveis. De fato, queria eu poder chorar mais vezes de alma tão limpa e tão pura, tão cheio da nostalgia infantil que este longa faz questão de reavivar. 

Extremamente poético, de uma leveza constante e belíssimo do início ao fim, Divertida Mente está destinado merecidamente a se tornar um clássico. Inteligente, criativo e vibrante, o décimo quinto longa da Pixar promete ressoar por um longo tempo entre o hall de sucessos do estúdio - e, quem sabe, propiciar para a nova geração lembranças tão doces e importantes quanto aquelas que suas animações clássicas nos ajudaram a construir em nossa mais tenra infância.

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