[Crítica] Ida
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A alcunha irônica de "filme mais europeu do ano" não é de forma alguma equivocada ao falar-se de Ida. Desde sua primeira cena, o longa polonês - indicado a diversos prêmios internacionais, incluindo o Oscar e o Globo de Ouro - exibe uma atmosfera cuidadosamente planejada e adversa a qualquer possibilidade comercial. Os silêncios são longos e sufocantes; os enquadramentos parecem impressionantes fotografias; o roteiro é sublime e deixa grande parte de sua história para além das palavras. Sem dúvidas, Ida pode ser considerado por alguns um filme monótono e aleatório - mas, para aqueles que mergulharem em sua proposta, pode se provar uma das experiências cinematográficas mais intensas e sofisticadas do ano.
Ida conta a história de Anna, uma jovem noviça prestes a se tornar freira na Polônia, em 1962. Antes de prestar o juramento, porém, é obrigada pela Madre Superiora a visitar a única família que lhe resta, sua tia Wanda Gruz, uma rígida juíza. Durante sua visita, é revelado que seu verdadeiro nome é Ida e que seus pais foram judeus mortos durante a ocupação nazista, na Segunda Guerra Mundial. Anna e Wanda decidem, então, partir pelo interior polonês em busca dos restos mortais de sua família, até então perdidos.
Cada um dos breves e lentos 80 minutos de Ida é sufocante. Pawel Pawlikowski constrói uma atmosfera sombria e intensamente opressora, de modo que ao espectador só resta jogar-se de cabeça no filme e se sentir tão assombrado quanto as protagonistas. E não é para menos: ao mesmo tempo em que trata dos efeitos do nazismo e do stalinismo na Polônia, o longa é uma forte parábola sobre a falta de liberdade pessoal. Para Anna/Ida, a prisão são as rígidas regras do convento versus as tentações do mundo exterior; já Wanda encontra-se sufocada pelo desamparo ideológico, tendo visto suas crenças políticas desabarem com o passar do tempo, e pela dor da perda da família.
Outro tema recorrente é o embate sobre a existência, a presença e a importância de Deus, que se dá não só pelas personalidades de Anna e Wanda, mas também pela direção de Pawlikowski, que preza por ambientes vastos e extensos, muitas vezes destacando o céu, preenchidos pelo vazio extremo (e, mais uma vez, o silêncio), uma vez que os personagens são pequenos, meros detalhes num cenário. Isto, aliado à belíssima (repito: belíssima!) fotografia monocromática e à escolha pelo formato 4:3 - uma óbvia referência à época em que o filme se passa, mas que, numa jogada semelhante à de Mommy (2014), longa escolhido para representar o Canadá no Oscar, pode também representar uma abordagem visual à falta de liberdade de suas personagens -, aproximam o filme da Trilogia do Silêncio de Ingmar Bergman, que também trata de questionamentos e dúvidas de cunho religioso na modernidade, e, coincidência ou não, foi lançada no início da década de 1960. A Trilogia rendeu um Oscar a Bergman, por Através de Um Espelho; sem dúvidas, Ida merece reconhecimento semelhante, e muito mais.
Ida não é um filme fácil de assistir. A presença arrasadora do silêncio e da calmaria na superfície podem ser entediantes para alguns. Porém, uma vez que se mergulha fundo até suas vísceras, o longa se prova uma intimista e emocional viagem de autodescobrimento, seja pelo provocante roteiro, pela ótima atuação de Agata Kulesza, pelo olhar penetrante e emotivo de Agata Trzebuchowska ou pela direção fantástica de Pawel Pawlikowski. Com uma direção de arte impecável, mesmo que perca força em seu terceiro ato, Ida permanece sendo um dos filmes mais assombrosos e imersivos do último ano.