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[Resenha] As Brumas de Avalon


Um dos mais adorados épicos de fantasia de todos os tempos, As Brumas de Avalon é uma das mais famosas recriações da Lenda do Rei Artur, e também uma das melhores. A grande vitória do livro está na mudança drástica do ponto de vista masculino, típico da maioria das adaptações da Lenda, para o feminino, mostrando personagens muitas vezes esquecidas ou renegadas, suas motivações e as consequências de seus atos.

As Brumas de Avalon, lançado no Brasil em quatro volumes - A Senhora da Magia, A Grande Rainha, O Gamo-Rei e O Prisioneiro da Árvore -, é originalmente um só livro dividido em quatro partes. Cada uma se dedica a contar um determinado período do Ciclo Arturiano, desde a infância de seus personagens até a velhice. As Brumas começa contando a história de Morgana - vilã da maioria das vertentes dos contos do Rei Artur -, uma jovem e doce aprendiz de sacerdotisa, que vive na ilha mágica de Avalon, treinada pela Senhora do Lago Viviane para ser sua sucessora. Morgana vê a relação entre Avalon e o mundo exterior, onde o cristianismo aos poucos domina, se deteriorar cada vez mais, e seu amor pela Deusa a levará a fazer de tudo para salvar sua ilha - e sua espécie - da extinção. Paralelamente, na Bretanha recém pacificada das guerras, vive Guinevere, uma jovem e fervorosa cristã que é obrigada a casar com Artur, mas, secretamente, ama Lancelote, principal cavaleiro do Rei. Não conseguindo gerar um sucessor para Artur, e empurrando cada vez mais o Rei para os costumes cristãos, sua presença ameaça levar a Bretanha inteira a um colapso. Estas e várias outras mulheres contam a história do Rei Artur, passando por personagens conhecidos e mostrando que a lenda não é formada somente pela vitória militar inglesa, mas também por conflitos religiosos, políticos e morais que refletem diretamente a luta das minorias nos dias de hoje.

Seria muito fácil transformar a vilã numa mocinha e todos os protagonistas em vilões. Seria muito fácil transformar Morgana numa mulher boa e inocente, tornando-a a única correta enquanto todos os outros estão errados, e, assim, contradizer praticamente tudo na lenda do Rei Artur; geralmente é isso o que adaptações do ponto de vista da antagonista fazem. As Brumas de Avalon, entretanto, não procura seguir o clichê, e, ao longo de suas quase 900 páginas, se dedica quase completamente a humanizar seus personagens, todos eles, e tornar suas ações completamente críveis dentro da perspectiva de cada um. A autora Marion Zimmer Bradley combina de maneira magistral e intensa vários acontecimentos de diferentes vertentes da Lenda com o desenvolvimento de personagens. Cada personagem - mesmo os mais secundários - cresce e não se torna nem herói, nem vilão, mas humano. Vê-los crescer - literalmente crescer, da juventude até a velhice - é tanto empolgante quanto melancólico. Ao chegar no quarto e último livro, o leitor não consegue deixar de sentir uma certa nostalgia e tristeza, como se cada palavra de cada página reafirmasse que aquele é o fim do épico, o fim da lenda, o fim de uma das maiores histórias da humanidade.

Paralelamente, a saga não descuida do plot político e religioso, o mote principal da história. O conflito entre a típica moral cristã e a liberdade pregada pelos paganistas reflete a situação pela qual a sociedade ocidental passava durante a década de 1970, quando o livro foi escrito. As Brumas de Avalon oferece uma perspectiva feminista sobre uma história contada tipicamente do ponto de vista masculino, geralmente deixando as mulheres de lado, e é por isso que este livro é tão prazeroso e criativo, mesmo para aqueles que já são familiarizados com a Lenda do Rei Artur. Mais do que isso, As Brumas ousa em retratar temas polêmicos, tanto para a época quanto para os dias de hoje, sempre de maneira muito emocional e muito bem construída, chegando até mesmo a sugerir, muito brevemente, uma possível relação homossexual entre Artur e Lancelote, marcada, claro, pela culpa do ambiente cristão, em comparação com outra possível relação gay entre Morgana e outra aprendiz da ilha de Avalon - desta vez, inocente e livre da noção de pecado. Este, assim como vários outros aspectos do livro, mostra o embate entre os valores morais conservadores e a liberdade de espírito, de pensamento e sexual, uma das temáticas mais fortes retratadas ao longo do quatro livros, personificada especialmente na rivalidade entre Guinevere e Morgana.

Cada palavra, cada acontecimento de As Brumas de Avalon demonstra o amor de Marion Zimmer Bradley pela Lenda do Rei Artur, bem como sua habilidade em construir personagens. Adorado por décadas, influenciando ainda hoje várias obras de fantasia, As Brumas é um clássico para ser estudado e venerado, um raro exemplo de fantasia que transcende o gênero e impacta emocionalmente. Uma leitura indispensável não só para os amantes da Lenda do Rei Artur, mas para os amantes de ficção fantástica em geral.


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