[Crítica] O Palácio Francês
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As comédias políticas não são dos segmentos mais populares na Sétima Arte, ainda que hajam algumas produções cultuadas no meio, e grande parte dos lançamentos deste caem num nível mais escrachado, como são os exemplos mais recentes do Cinema norte-americano. O novo projeto de Bertrand Tavernier (de Às Margens de um Crime) vem da França para acrescentar mais um item interessante à esta lista.
Aqui, somos levados ao palácio do ministério francês - obviamente, aquele que intitula a produção -, juntamente com Arthur Vlaminck (Raphaël Personnaz), um jovem esforçado e recém-formado na Escola Nacional de Administração, contratado pelo ministro das relações exteriores, o ambicioso e bem visto Alexandre Taillard (Thierry Lhermitte) para cumprir a função de auxiliá-lo na preparação de seus discursos públicos. Ao iniciar seus trabalhos no local, o protagonista surpreende-se, começando a vivenciar uma rotina bem menos glamourosa do que a esperada de um cargo político, onde sobram cargos, bagunça, duelos de egos e trabalhos sendo feitos e refeitos, porém com uma séria falta de foco político para organizar tudo isso.
A princípio, o roteiro de Christophe Blain e Abel Lanzac acerta apenas por sua intenção de "desglamourização" do cenário político. Podendo facilmente realizar críticas superficiais, como as cotidianamente feitas a respeito dos exageros monetários que cercam os cargos de comando estatal. Ainda que haja, como não poderia deixar de ser, luxo, sobretudo nos escritórios de cargos superiores, há positivamente a retratação das funções ali empregadas realizando trabalhos burocráticos e tratando de crises de modo realista, o que por si só representa um fator de novidade. A fotografia segue outra linha, acertadamente, ao aproveitar os seus cenários clássicos na criação de enquadramentos visualmente belos - ainda mais importantes ao considerar-se que a projeção passa-se predominantemente no tal palácio.
Esta "desglamourização" também atinge uma espécie de esvaziamento em relação ao conteúdo político, uma vez que não há a preocupação em estabelecer críticas ou análises ideológicas - menciona-se, vez ou outra, o posicionamento direitista do ministro em contraponto ao de Arthur, mas nada além disso -, direcionando-as a outros pontos; o que poderia ser um grande demérito, torna-se, porém, um aliado da proposta narrativa, onde suas principais provocações referem-se, sobretudo, justamente a este mencionado vazio. Observe a excelente sequência onde Taillard explica para seu novo empregado - direcionando-o a refazer o seu trabalho - a respeito da ideologia que deve ser seguida em seu discurso, e somente repete palavras constantemente usadas em promessas públicas automáticas, trocando-as a cada nova explicação - começando com "unidade, legitimidade e eficiência" e assim por diante -, porém jamais sendo capaz de estabelecer, justamente, uma unidade de posicionamento ideológico, uma vez que esta, absurdamente, não é uma das partes de sua função - os discursos, ao invés de esclarecer o posicionamento do político, tornam-se apenas instrumento de apaziguamento da relação com outras nações, e somente embaçam ainda mais a visão da população a respeito deste. Surgem na trama, também, outras referências a discursos e ideologias automáticas que surgem dentro do espaço político - em especial, uma sacada hilária a respeito da OTAN e da necessidade de mostrar trabalho -, e, sendo assim, não resta espaço para um aprofundamento político-ideológico, uma vez que nem as próprias personagens o têm.
O comentário questionador também direciona-se, de forma sutil, ao excesso de cargos dentro do ministério - sendo transmitido, especialmente, na retratação de Arthur sendo obrigado a consultar tantas pessoas para tomar qualquer decisão -, porém, o estudo do vazio do discurso político, mesmo num cargo importante e reconhecido, é mesmo o principal apontamento do texto de Blain e Lanzac. Claro, o levantamento de discussões seria mais eficiente caso o contexto tão mencionado do conflito da França com outros países, que leva o ministro a uma crise tão confusa, fosse melhor explicado e não apenas mencionado sem maiores aprofundamentos, mas o filme segue sem maiores dificuldades.
A maior delas é, provavelmente, a falta, na narrativa, desta unidade tão requerida pelo protagonista em seus discursos, uma vez que, ao invés de direcionar seus esforços apenas às personagens que convivem no palácio e às confusões provocadas pela crise ali enfrentada, o longa acaba criando uma série de (tentativas de) sub-tramas, que acabam logo descartadas ou sub-aproveitadas por sua falta de necessidade para o desenvolvimento da trama central ou das personagens. A abordagem da relação de Arthur com sua namorada, por exemplo, é desnecessária e ganha mais espaço do que deveria, enquanto o surgimento de um conflito com sua colega de trabalho, Valérie (Julie Gayet), é rapidamente sugerido e logo deixado de lado. Esta falta de foco e criação de vários sub-textos descartáveis acaba prejudicando, sobretudo, o ritmo da narrativa, que sem uma unidade estabelecida, acaba soando arrastada para seus 113 minutos - o que é contradizente com sua proposta de desenvolvimento recheada de diálogos rápidos e sutis, mais apropriados à uma abordagem mais ágil.
Não adianta dizer que, em meio a estes diálogos espertos e gags sutis, não reste espaço para a presença de um humor mais físico e escrachado, porém não menos divertido, se utilizado da forma acertada, como aqui ocorreu. Gags físicas e visuais estão presentes, como os cochilos de Claude Maupas (Niels Arestrup) durante reuniões, as frequentes corridas de Taillard ou o fato de todos os papéis sobre as mesas irem aos ares quando o ministro passa batendo as portas - uma sacada que, apesar de prolongada além do que deveria, é inegavelmente divertida quando aparece -, no entanto, a comédia é criada em seus diálogos, mesmo naqueles mais escrachados, que estabelecem uma divertida dinâmica entre suas personagens. Desde uma divertida sequência onde Arthur e Maupas dialogam a respeito do comportamento de seu chefe, até o ápice cômico, residindo na construção e em todas as atitudes deste chefe, Alexandre Taillard, que, em meio a tantos discursos cotidianos egocêntricos e sem qualquer sentido, atitudes imprevisíveis e comportamento muito diferente do que poderia se esperar de um ministro, torna-se o principal instrumento deste O Palácio Francês para gerar risadas e empatia com o espectador - e caso este não se provasse tão problemático na gestão política, iríamos certamente querer alguém assim para ocupar um de nossos cargos públicos.
Tendo como destaque absoluto de seu elenco, então, o hilário Thierry Lermitte, divertindo-se e ao público com os exageros de seu personagem, resta a Raphaël Personnaz acertar de forma mais minimalista na composição de seu Arthur como um homem introvertido e extremamente sutil - o que Personnaz reflete, inclusive, em sua postura corporal -, porém inspirador de confiança por ser bastante esforçado e, ainda assim, carismático, e ao veterano Niels Arestrup roubar algumas cenas com o divertido desleixo na construção de seu rabugento Claude Maupas. Os outros nomes da equipe de atuação, no entanto, vão do irregular ao eficiente, sem algo digno de destaque, muito por conta da unidimensionalidade de suas personagens. E ainda que tenha problemas na condução narrativa, sobretudo por certa falta de ritmo e foco - o que já prejudicara seu trabalho em Às Margens de um Crime -, Bertrand Tavernier acerta, em O Palácio Francês, no comando de seu elenco e, ainda, das câmeras, acertadamente investindo num estilo de tom documental ao acompanhar os passos de suas personagens, que revela-se bastante adequado à proposta do projeto.
Um projeto que, afinal de contas, é uma colcha de retalhos - justamente a conclusão atingida por Taillard a respeito do discurso escrito por Arthur e que, nesta reflexão, soa até metalinguística -, mas, felizmente, uma bem divertida.