[Crítica] Divergente
Tem lá suas falhas, mas tem sucesso no que se propõe.
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Quando uma obra fraca é adaptada para o cinema, o cineasta pode seguir por dois caminhos: ou melhora o conteúdo de origem, ou segue o mesmo caminho e fica restrito. Felizmente, Divergente escolhe a primeira opção. Quem leu minha resenha sobre o livro, sabe muito bem: na literatura, Divergente, ao menos para mim, fez muito feio. Mas, para felicidade geral da nação, a bagunça de Veronica Roth ganhou novo tom e força nas mãos habilidosas do diretor Neil Burger.
A este ponto, todos já devem saber a premissa de Divergente. No filme, a cidade de Chicago se dividiu em cinco facções: Audácia, Abnegação, Erudição, Amizade e Franqueza. Por este sistema, cada facção é responsável por determinados deveres dentro da sociedade, e, assim, mantém-se a paz. Porém, aos 16 anos, cada jovem deve escolher a facção a que pertencerá pelo resto da vida. Beatrice Prior (Shailene Woodley) é uma destas jovens, mas, após um teste, descobre que é Divergente, isto é, se encaixa em mais de uma facção, e por isso, não pode ser controlada por nenhuma. A mera existência de Divergentes coloca todo o sistema em risco, e, por isso, sua vida corre perigo.
A grande vitória do filme é corrigir quase todos os erros do livro, superando a obra literária de Veronica Roth. A maioria dos problemas que citei em minha resenha - a mitologia subutilizada, o excesso de drama adolescente, o ritmo arrastado e a narração entediante - encontram um novo olhar aqui, e, apesar de estarem longe da perfeição, conseguem entreter. Sim, a história de Divergente ainda é bastante falha, uma vez que a saga desperdiça a chance de correr livre pelas cinco facções para focar somente em uma - no caso, a Audácia -, mas o filme pelo menos transforma este desperdício em algo bastante divertido de se ver.
Muito se deve, em especial, à direção de Neil Burger. Mesmo que imperfeita, e ocasionalmente falha, Burger guia o filme com extrema confiança, e dá emoção mesmo às cenas mais comuns. O livro sofre de problemas tão grandes que a própria narrativa acaba prejudicada, e, dentre eles, estão a superficialidade da narração, que nunca consegue encontrar um bom ritmo de desenvolvimento, e a dificuldade que Divergente tem em transmitir uma mensagem. O filme resolve tais problemas, conseguindo equilibrar ação e drama sem sacrificar o melhor dos dois, e consegue ser mais claro quanto ao que quer dizer. Divergente passa uma filosofia de identidade, de busca por quem realmente devemos - ou queremos - ser. E esta mensagem, que o livro teve tanta dificuldade de formular e entregar, decorre naturalmente nas mãos de Burger.
Onde o roteiro falha, permanecendo apenas mediano, Burger triunfa, sabendo capturar com maestria o sentimento necessário para as cenas de ação e para as cenas dramáticas. Sim, a fraqueza do roteiro incomoda um pouco - principalmente nos primeiros quarenta minutos, que conseguem ser corridos e arrastados ao mesmo tempo -, mas Burger sabe o que está fazendo. O resultado, no final, pode até não ser inovador, nem nada absolutamente genial, mas o espectador sentirá o suspense nas cenas de suspense, pulará na cadeira nas cenas de ação e se envolverá com os dramas e as tragédias que decorrem durante a narrativa - o que é, sinceramente, muito mais do que Veronica Roth conseguiu fazer. Divergente, como filme, não será mais do que um blockbuster comercial, mas consegue, sim, ter sucesso em sua proposta.
As atuações são um show a parte. Shailene Woodley, apesar de claramente perdida na timidez de sua personagem nas primeiras cenas, aos poucos se recupera, e, ao final, entrega uma performance incrível e emocional, tornando Beatrice Prior uma personagem muito mais simpática e admirável do que realmente é. Uma surpresa foi a atuação de Theo James, que interpreta Quatro, o interesse amoroso da protagonista. James pode não ser um grande ator, mas consegue transmitir a dureza necessária para seu personagem funcionar. Sim, a existência do romance continua desnecessária e superficial, mas Woodley e James têm uma ótima química e mostram isso em cena. E, apesar de não ser nenhuma surpresa, Kate Winslet também brilha como a vilã Jeanine, fazendo até mais do que sua personagem requeria. As atuações, assim como a direção, são o que valem o ingresso de Divergente.
Não esperem ver mais do que um bom filme de ação, e vocês poderão se surpreender com Divergente. Conseguindo equilibrar ação e drama, o resultado final não despertará conversas altamente filosóficas no bar da esquina, nem deixará o espectador pensando na condição humana, mas irá, sim, divertir, e muito, sem subestimar a inteligência do seu público. Divergente não é, nem de longe, a melhor distopia da atualidade - não chega perto nem de ser a melhor saga da atualidade. O roteiro ainda tem furos e algumas das falhas do livro migraram para o filme, bem como a mitologia, apesar de mais explorada, acaba ficando um pouco atabalhoada com o excesso de informações no início do filme; mas Divergente diverte, entretém e serve como um passatempo, indo muito além de um simples guilty pleasure. Então, não leiam Divergente, este livro falho e monótono. Vejam Divergente, esse filme empolgante e nem um pouco genial, mas muito divertido.
P.S.: Sim, Burger deixará a direção para o próximo filme da saga, Insurgente. Isso me preocupa um pouco, pois, apesar de Insurgente ser um livro bem melhor que Divergente, fico preocupado com a possibilidade do próximo diretor não conseguir melhorar tanto um livro e um roteiro medianos.
P.S. 2: O que é essa música dos créditos? Dou pontos extras pela trilha sonora eletrônica casar perfeitamente com o visual do filme, mas esse pop chiclete destoou completamente da história - além de irritar bastante um espectador nada adepto a esse tipo de música.