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[Crítica] 300: A Ascensão do Império

Um mundo - literalmente - digital.


Um mundo - literalmente - digital.

A obra que consagrou Zack Snyder no cenário das grandes produções hollywoodianas oito anos atrás, nomeada 300, ganhou a quantidade de fãs que possui, especialmente, graças aos seus méritos visuais. O universo visual nos apresentado ali rendia uma experiência memorável, embora os outros elementos responsáveis por compô-la estivessem bem abaixo deste nível. Estes outros elementos rendiam um longa divertido, eficiente, e só. Mas outro de seus grandes méritos era conseguir produzir este "eficiente" partindo de uma trama geral tão frágil, simples, e que poderia cair facilmente no monótono, arrastado. Era apenas a luta daquelas bravas três dezenas de homens travando uma luta digna contra um exército muito maior. Não haviam grandes preocupações com a composição de uma série de sub-tramas ou a apresentação de complexas motivações, a batalha já dizia todo o necessário - o que, narrado de forma dinâmica e visualmente imersiva, bastou. Em sua continuação produzida vários anos depois, notamos um processo contrário. O divertido e - moderadamente - eficiente continuam lá, bem como boa parte daquele encanto visual, porém, neste longa, foi criado um excesso de narrações, flashbacks, motivações e sub-tramas, para a execução do conflito principal acabar deixando um pouco a desejar.

Diferentemente do pensado inicialmente - a proposta de um prequel -, 300: A Ascensão do Império narra a maior parte dos seus eventos de forma paralela, contemporânea aos da batalha comandada por Leônidas. Há tentativas de narrar uma estória da origem ao sermos apresentados ao que ocasionou a fúria de Xerxes (Rodrigo Santoro, de O Último Desafio) contra o império grego e os espartanos, e sua transformação num rei sádico, levando-o assim a ordenar a sua principal comandante de batalhas, Artemisia (Eva Green, de Sombras da Noite) a realizar ataques marítimos contra a frota naval do império grego, comandada por Themistocles (Sullivan Stanpleton, de Reino Animal), numa grandiosa batalha de forças pelas águas. Paralelamente a isto, o próprio Xerxes comanda seu exército naquela que viria a derrubar os 300 de Esparta. A fúria culminada no choque entre os dois impérios ocorreu, afinal de contas, por terra e pelos mares.

A proposta, então, passa a um aprofundamento por todo o conflito que ocorria neste contexto, para conhecermos um outro lado do mesmo. É interessante, sem dúvidas. Se no conflito nos apresentado no original tínhamos uma batalha mais física e menos estratégica, e dominada por cores quentes como o sangue despejado, aqui o foco fica com os comandantes e suas estratégias na busca por sagrarem-se vitoriosos no combate marítimo, numa narrativa dominada por tons escuros, sombrios, denotando a imprevisibilidade sombria que rodeava os destinos destes ataques e contra-ataques. Ainda que possa soar menos chamativo junto ao público, a opção visual adéqua-se perfeitamente à proposta narrativa da fita. Mais uma vez, temos um verdadeiro deleite visual aos dispostos a entrar naquele universo permeado por imagens digitais e aparentemente fechado do mundo real - mas não menos fascinante.

O problema encontra-se na percepção da necessidade de comparações com seu antecessor para a construção de argumentos sobre uma obra individual. Sim, as semelhanças são várias - aliás, qual é a sequência que não aproveita-se dos elementos de seu original nos últimos anos?. Pela falta de frescor em muitos aspectos, culpe o diretor Noam Murro (de Vivendo e Aprendendo), bastante atrasado com relação aos conceitos de definir seu estilo particular ao imitar seu antecessor no cargo, Zack Snyder (de O Homem de Aço, aparecendo aqui somente como produtor), claramente, nas movimentações de câmera - dá-lhe, slow motion! - e, inclusive, nas opções de condução narrativa. Existe uma ainda mais clara influência mercadológica nesta decisão. Embora eu pessoalmente não conheça o trabalho anterior do diretor - e muito menos seu estilo narrativo -, nós sabemos o quanto um profissional pouco experiente sofre restrições na tentativa de impor algo de pessoal quando assume um projeto grande e, neste caso, a tentativa de repetir um sucesso anterior acabou atingindo-o. Temos, aqui, a filmagem em slow motion das sequências de ação, a priorização do estilo em relação ao conteúdo e os closes elegantes - todas marcas da direção de Snyder, porém, utilizadas em maior grau por este diretor encomendado - bem como Snyder provavelmente fora na produção de 2006, verdade seja dita -, Noam Murro.

Além destes elementos, outros, como a exaltação da entrega absoluta em defesa da pátria empregada por aqueles heróis, estão presentes na abordagem da trama, assim como estiveram no original, porém em grau aumentado. Os fins da sequência são claramente comerciais - ainda que não a impeçam de ser divertida. Se há a frustração por tantas repetições sem o frescor de acompanhar uma obra com novidades dentro da Arte, também reside, no olhar do espectador ao presenciar este 300: A Ascensão do Império, o prazer de acompanhar uma película de ação sanguinária, narrando da forma mais crua e realista possível uma batalha desta forma violenta, ao despir-se das exigências atuais de inocência do mercado. As grandiosas sequências de ação, cuja câmera salta de um navio ao outro sem pausas para descanso, a partir de quando a narrativa foca-se completamente na tal batalha, garantem um entretenimento de ação eficiente, ao acompanhar os atos de tamanha coragem na defesa de uma pátria - uma moral que, na época retratada, era ainda mais comum do que nos dias atuais -, geradores de quantidades imensas de sacrifícios que, ao serem observados em conjunto, muitas vezes acabam não recebendo a significância adequada. Filmados através de lentes estilosas e pouco substanciais, infelizmente não há a tentativa de reflexão a respeito deste ponto, embora estas mesmas lentes garantam que as cenas de ação aqui presente jamais tornem-se monótonas, sempre contando com algum elemento mais interessante para sustentá-las.

Por mais que ainda seja sentida a falta de um protagonista à altura do que Leônidas foi no primeiro filme, temos dois candidatos que, na união - e oposição - de forças, são capazes de substituí-lo com dignidade: Themistocles e Artemisia. Se o foco no primeiro é a construção de um herói integralmente dedicado à sua pátria e obrigado a cometer o provável maior erro de sua vida, arriscando-se apenas por ela - com direito a um diálogo que enfatiza o fato de o comandante sequer ter uma família, sendo devoto apenas à pátria -, temos a força de seu intérprete sendo exaltada, sobretudo, nas cenas de alta exigência física - ainda que os discursos motivacionais não deixem muito a desejar. O grande destaque da produção, no entanto, fica mesmo a cargo de Eva Green - e não somente por seus altos níveis de beleza esbanjados na tela, diga-se de passagem -, encarando com crueldade a sua comandante Artemisia, disposta a quebrar todos os estereótipos da época de que uma mulher não seria capaz de comandar um exército imponente, ao entregar-se completamente às ambições de vitória de seu império, mas também à uma personalidade sádica de alguém com indomável ganância. A sensualidade imposta por sua caracterização não é gratuita, uma vez que a vilã teve de entregar-se a uma série de seduções para ascender ao ponto alcançado. Artemisia não apenas quebrou um estereótipo da época, como sua intérprete é mais uma a quebrar um preconceito ainda mantido nos dias atuais, ao ser uma mulher tomando para si uma grande produção de ação, gênero dominado por homens. 

Além de render a melhor cena da projeção - vocês saberão à qual eu me refiro -, o embate de forças entre Artemisia e Themistocles é, certamente, o ponto mais instigante do longa, ao expor o confronto de objetivos de cada um transcendendo mesmo a batalha ocorrida entre seus dois impérios, tornando-se pessoal. Nas posições de coadjuvantes, Xerxes e a rainha Gorgo poderiam sim serem melhor explorados, mas contam lá com sua merecida importância dentro da trama.

Infelizmente, antes de partir para as lucrativas abordagens da grande batalha e do embate entre seus dois protagonistas, 300: A Ascensão do Império já havia cometido seu maior erro ao criar diversas camadas de sub-tramas narradas em off, sobretudo pela rainha Gorgo, e ainda apresentar diversas sequências deslocadas propostas a narrar tramas de origem, prejudicando a unidade da narrativa. As tantas tentativas de explicação causam um grande déficit à uma obra que, após ter repetido tantos dos acertos do original, poderia repetir mais um ao apostar na simplicidade e objetividade do desenvolvimento de sua trama, o que geraria uma película de ação igualmente divertida, porém um pouco menos inchada - coisa que esta se torna por alguns momentos.

Eficiente ao imergir-nos num mundo completamente digital como se este fizesse parte de nossa realidade - apesar de algumas opções do roteiro tentarem contrariar isto -, sobretudo através de sua fotografia sombria e bela, 300: A Ascensão do Império prova ser um projeto cujos fins de uma continuação completamente comercial, surpreendentemente, ocasionam seus maiores acertos, e a tentativa de certas invenções adicionais acaba prejudicando-o. Por menos sentido que isto faça.

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