[Crítica] Álbum de Família
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Os círculos de confiança nos apresentados pelo Cinema norte-americano e seus valores conservadores costumam ser encabeçados pela família. Recentemente, podemos perceber um movimento artístico proposto a - positivamente - subverter estes costumes, desconstruindo as relações familiares tradicionais como aprendemos erroneamente a conhecer e refletindo uma sociedade onde o valor da confiança é cada vez mais escasso. Álbum de Família, através da conturbada família Weston, realiza este estudo num dos esforços mais interessantes deste movimento.
Beverly Weston (Sam Shepard, de Amor Bandido) acaba de contratar uma funcionária para trabalhar em sua casa e de sua esposa, Violet (Meryl Streep, de Um Divã Para Dois), provocando a irritação nela por fazê-lo. Enquanto o homem, melancólico e alcoólatra, mantém-se calmo e neutro a tudo o que ocorre, enquanto ela, viciada em medicamentos, exalta-se e perde o controle sobre todas as situações; em nenhum momento nota-se uma relação mais estreita entre eles, ou sequer a presença de relações com os filhos. A presença era praticamente inexistente, realmente, até a partida do patriarca, que desaparece da casa sem oferecer quaisquer explicações à esposa e gera preocupação nesta e nos filhos, que previsivelmente depois viriam a descobrir a morte de Beverly. A situação obriga todos os parentes mais próximos do casal a reunirem-se novamente na casa onde estes moram e claramente gera desconforto entre os presentes, que embora ligados como família, há tempos não passam por uma aproximação como esta e, desde então, passaram por diversas situações conflituosas e mudanças em suas vidas, influenciando diretamente nos explosivos eventos deste encontro.
A situação em que os Weston, aqui abordada de uma forma diferenciada, é constantemente utilizada dentro da sétima Arte para provocar este tipo de situação, levando suas personagens ao limite de suas relações e instintos por estarem juntamente isoladas naquele ambiente. Se temos situações deste tipo constantemente utilizadas em suspenses de isolamento, por exemplo, Álbum de Família diferencia-se por unir pessoas que já se conheciam e eram aparentemente bastante próximas previamente àquela situação - e aí reside o grande ponto do filme. As expectativas do espectador fazem-no pensar que, por serem familiares, todos os envolvidos ali poderiam superar uma situação controversa facilmente, pois o espaço para as confidências entre eles seria necessário. Mas a proposta da obra acaba por ser, justamente, desconstruir esta expectativa e gerar os sentimentos contrários, uma vez que esta proximidade familiar prova-se praticamente inexistente. Como aponta, em determinado momento, uma das irmãs, Ivy (Julianne Nicholson, de Deixe a Luz Acesa), ela e seus parentes podem ser ligados apenas por um tipo de acidente genético. Isto resume muito bem os sentimentos existentes.
Se, em nosso conhecimento, a família existe para conhecer nossos segredos e deixar de fazer julgamentos negativos, como alguém que não nos seja tão próximo provavelmente faria, para nos apoiar independentemente das situações adversas, observamos neste caso que este pode ser um valor muito equivocado. Dentro da família Weston temos parentes possessivos com as atitudes dos outros, integralmente dispostos a julgá-los, mesmo conhecendo tão pouco uns dos outros - algo que mudaria após este dia. Suas relações estão presas por uma corda, prestes a se romper, e uma situação de verdades vindo à tona como esta pode desligar estes últimos resquícios de ligação. Durante a projeção do longa, lembrei-me imediatamente de outra obra também escrita por Tracy Letts, Killer Joe - Matador de Aluguel, que levava as relações de sua família e os instintos de cada um de seus integrantes ao extremo com a chegada de um conflito externo, provocando a revelação de segredos e destruição da confiança entre seus membros, assim como aqui ocorre - claro, não com a mesma crueza e intensidade, pois a proposta é completamente diferente.
O argumento, apesar de render reflexões interessantíssimas, na verdade não seria tão válido se não fosse pelo trabalho de seu elenco. Numa atmosfera quase teatral, com personagens sempre à beira da explosão, as performances dos atores não poderiam falhar, e felizmente cumprem com o que delas se espera. Cada embate entre a personagem de Meryl Streep - excelente, especialmente nos surtos de sua personagem, curiosamente marcados pelos momentos em que esta surge sem sua peruca - e sua filha, Barbara (Julia Roberts, de Larry Crowne - O Amor Está de Volta, igualmente excelente), elevam o nível da produção e exaltam as duas atrizes, cujas personagens, no fundo, revelam espelhar-se em sua possessividade com a família. O elenco surge extremamente confortável na alternância de uma linha tênue entre o cômico - mesmo em situações dramáticas, existem pitadas de humor negro pelo caos observado - e o extremo dramático, com destaques positivos ainda para o casal formado por Chris Cooper (de A Grande Virada) e Margo Martindale (de Secretariat - Uma História Impossível), inicialmente aparentando personagens de único cunho humorístico e cuja relação evolui a uma sequência de ápice dramático. Se Ewan McGregor (de O Impossível), sempre competente, dá vida à um personagem sem grande influência na trama, destaca-se por apostar numa performance sutil e minimalista - suas ofensas, nos conflitos com Barbara, sempre são mais leves e ditas em tom mais baixo. A identificação entre os familiares surge através de suas personalidades semelhantes; Little Charles (Benedict Cumberbatch, de Além da Escuridão - Star Trek) e Ivy aparentam ser os únicos sem disposição para pré-julgarem seus familiares, por isso acabam se aproximando - e acabam tendo sua felicidade interrompida -, enquanto Jean (Abigail Breslin, de Zumbilândia) e Steve (Dermot Mulroney, de Jobs) são, em tese, os mais novos a conhecerem a convivência que presenciam, o que também os leva a uma inesperada aproximação.
Enquanto a direção de arte representa com perfeição o único ambiente de uma residência familiar, a fotografia investe acertadamente em cores mais frias para representar os sentimentos entre suas personagens, e ainda existe o elemento da direção de John Wells, que sem espaço para destacar-se visualmente - embora as grandes angulares sejam bem empregadas -, foca-se no comando de seu elenco e traz uma série de acertos. Se há um conflito ou outro mal resolvido - como o desfecho, que embora acerte ao não investir nas previsíveis reconciliações, traz uma revelação sem grande necessidade, ou a confusão provocada por Steve e a adolescente Jean, encerrado de forma apressada -, somos compensados pela fantástica sequência do jantar - ápice do longa -, essencial na representação da espessura da linha divisória entre os conflitos daquela família, durante um momento aparentando a mais pura descontração, e no diálogo seguinte variando ao máximo de tensão, até atingirem o limite de sua paciência e gerarem a briga que estampa um dos pôsteres da produção. Este momento, extremamente humano por mais caricato que possa aparentar, representa a síntese deste grande conflito responsável pela narrativa. Pode funcionar na representação do caos, da queda, até mesmo de um momento tradicional como o jantar de família - e a queda desta, em si -, família esta que, em tese, deveria ser a última a nos abandonar - mas logo antes da solidão.